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Por que razão Alemanha, Itália e Japão ainda dependem da dissuasão nuclear dos EUA?

• Mar 18, 2025, 4:48 PM
7 min de lecture
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Preocupados com a instabilidade global, países da Europa à Ásia estão a aumentar drasticamente as suas despesas militares numa tentativa de se tornarem mais auto-suficientes.

Numa altura em que o envolvimento dos EUA no estrangeiro parece estar a diminuir sob o comando de Donald Trump, alguns países receiam que a abordagem "America First" de Washington possa encorajar as ações de nações como a Rússia e a China em outras partes do mundo.

Perante esta incerteza, Alemanha, Itália e Japão estão entre os países que estão a tentar reforçar as suas capacidades de defesa.

No entanto, estes três países, que formaram a aliança do Eixo na Segunda Guerra Mundial, são prejudicados pelo seu passado, segundo explica Raffaele Marchetti, professor de Relações Internacionais na Universidade LUISS de Roma.

"O objetivo dos tratados de paz do pós-guerra era eliminar o hegemonismo, o militarismo e o aventureirismo agressivo da cultura destes três países", afirmou o professor.

"A Alemanha, a Itália e o Japão tornaram-se as chamadas potências civis. Hoje em dia, é muito difícil para estes países adotarem uma mentalidade pronta para o combate", acrescentou.

Os especialistas disseram à Euronews que estes países do G7, todos Estados não nucleares, continuarão a depender dos EUA para a dissuasão nuclear contra os seus adversários.

O plano da Alemanha para reforçar o seu exército

Na semana passada, os democratas-cristãos alemães (CDU) e os sociais-democratas (SPD) concordaram em pôr de lado um travão constitucional à dívida, permitindo ao país desbloquear centenas de milhares de milhões de euros para projetos de defesa e infraestruturas.

A despesa da Alemanha com a defesa atingiu 2% do PIB, três anos depois de o chanceler cessante, Olaf Scholz, ter prometido reforçar o exército com 100 mil milhões de euros de investimento.

As lacunas nas capacidades de defesa do país são significativas, de acordo com um recente relatório parlamentar alemão. O documento sugeria que a Bundeswehr - o exército alemão - teria de recrutar dezenas de milhares de efetivos militares até 2031.

A Alemanha também precisa de modernizar o seu armamento, uma vez que grande parte do seu equipamento se deteriorou desde o fim da Guerra Fria.

A comissão parlamentar do orçamento duplicou os seus planos de compra de sistemas de defesa aérea e de tanques de guerra de última geração.

'Cultura antimilitarista'

Apesar dos seus planos para aumentar o exército, a Alemanha continua ligada, pelo menos retoricamente, a décadas de antimilitarismo, segundo Jaques-Pierre Gougeon, diretor do Observatório Alemão do grupo de reflexão IFRI, com sede em Paris.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha, dividida em oriental e ocidental, teve de obedecer a limitações militares rigorosas.

Quando Friedrich Merz, o político de centro-direita que deverá suceder a Scholz como chanceler, anunciou recentemente o seu plano de investimento militar maciço, falou de "teilnahme" (participação) com os aliados do seu país.

"É uma formulação escolhida deliberadamente para fazer face a uma cultura construída sobre o antimilitarismo dos alemães", disse Gougeon, que considerou o discurso de Merz mais dirigido a um público interno do que externo.

"A Bundeswehr (exército alemão) só pode crescer num contexto político europeu estrito. O seu rearmamento depende mais de um esforço financeiro comum da UE", acrescentou.

O Presidente francês Emmanuel Macron falou sobre a possibilidade de alargar a dissuasão nuclear do seu país à Alemanha e a outros parceiros da UE, que ajudariam financeiramente no seu alargamento.

No entanto, alguns europeus acreditam que a abordagem atual é melhor, apesar da ameaça da administração Trump de reduzir o papel que desempenha na segurança europeia.

"Um guarda-chuva nuclear é melhor do que dois, porque assim não há ambiguidade sobre qual dos guardas-chuva nucleares nos protege", disse Tobias Cremer, um social-democrata alemão que faz parte da recém-criada Comissão de Segurança e Defesa do Parlamento Europeu.

"Temos um plano A, este plano funciona há 80 anos e é do nosso interesse e do interesse americano que este plano A, que é a dissuasão nuclear da NATO, continue em vigor".

Segundo Cremer, "a UE não deve substituir o pilar europeu da NATO, mas os dois devem trabalhar em estreita colaboração".

Itália e uma preocupação comum

A Itália partilha as mesmas preocupações que a Alemanha relativamente à diminuição do papel militar dos EUA na Europa.

Atualmente, existem cerca de 120 instalações dos EUA e da NATO em Itália.

As despesas de defesa de Roma são inferiores às da Alemanha em termos de percentagem da sua economia. Atualmente, a Itália dedica 1,59% do seu PIB às suas forças armadas, muito abaixo do nível que Trump deseja que os membros da NATO gastem.

Como parte das melhorias planeadas, a empresa italiana de armamento Leonardo fechou um acordo com a sua homóloga alemã Rheinmetall para produzir um tanque pesado comum.

A Itália, o Japão e o Reino Unido estão também a planear a produção de um avião de guerra de sexta geração. A empresa comum será gerida pela BAE System do Reino Unido, pela Leonardo de Itália e pela Japan Aircraft Industrial Enhancement Co.

Quanto à dissuasão nuclear, a Itália, tal como a Alemanha, deve contar com a proteção nuclear dos EUA, disse Marchetti, da Universidade LUISS de Roma.

"Para os italianos, ter mais autonomia estratégica europeia não significa livrar-se da proteção nuclear dos EUA", explicou.

Japão e a sua vizinhança fraturada

O Governo japonês anunciou recentemente que irá aumentar as despesas militares de 1,6% para 2% do PIB até 2027.

Uma área que Tóquio, que tem como vizinhos a China, a Rússia e a Coreia do Norte, planeia melhorar é a dos seus sistemas de defesa aérea.

A presença militar dos Estados Unidos no Japão continua a ser crucial, com mais de 50 000 soldados americanos estacionados no país, nomeadamente na ilha de Okinawa.

A dissuasão nuclear americana é a espinha dorsal do sistema de segurança do Japão, uma vez que a sua população é fortemente antinuclear devido aos traumas passados dos bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki.

O Japão não beneficia de uma defesa coletiva como na Europa, uma vez que a região do Indo-Pacífico é mais frágil política e militarmente, apesar da intensa interdependência económica, segundo Silvia Menegazzi, fundadora do Centro de Estudos sobre a China Contemporânea.

"Para a sua segurança, o Japão precisa muito da proteção dos Estados Unidos e é por isso que a NATO tem vindo a aumentar as suas parcerias na região do Indo-Pacífico", afirmou.