Polícia neerlandesa deteve militares israelitas por crimes de guerra?

Nos últimos dias, têm sido partilhadas nas redes sociais imagens que, alegadamente, mostram militares israelitas a serem detidos pela polícia neerlandesa.
Uma das fotografias mostra um agente da polícia a conduzir uma jovem mulher pelo braço e legenda que a acompanha afirma que esta mostra uma militar israelita chamada "Yukhal Yulita" a ser detido.
"A polícia neerlandesa prendeu a oficial israelita Yukhal Yulita enquanto esta passava férias na Europa - acusada por grupos de defesa dos direitos humanos de crimes de guerra em Rafah, onde Israel massacrou civis e arrasou bairros inteiros", lê-se nas publicações partilhadas no X, Facebook e LinkedIn.
Outra fotografia mostra a polícia neerlandesa a prender um suposto major-general israelita, Shitan Shaul, comandante do Corpo Blindado. Mais uma vez, os utilizadores das redes sociais afirmam que este está a ser detido sob a acusação de ter cometido crimes de guerra em Rafah, perto da fronteira egípcia.
Uma boémia britânica e um gangster irlandês
No entanto, a pesquisa por imagens para ambas as fotografias revelou que as fotografias mostram pessoas diferentes detidas noutros países, que não nos Países Baixos.
A imagem partilhada relacionada com a suposta detenção de Yukhal Yulita data de agosto de 2016 e surgiu num artigo do tablóide britânico, "The Daily Mail", sobre as detenções em festas noturnas na cidade inglesa de Newcastle no Summer Bank Holiday, feriado que ocorre na última segunda-feira de agosto.
No artigo, a legenda da fotografia diz o seguinte "A polícia afasta uma rapariga do centro da cidade". Além disso, a etiqueta no uniforme do agente diz "police", enquanto nos Países Baixos os uniformes têm a palavra neerlandesa para esta função, "politie", escrita neles.
Já a fotografia que alega ilustrar a recente detenção de "Shitan Shaul" data, na realidade, de setembro de 2022.
A imagem foi incluída em artigos de vários meios de comunicação social sobre a detenção de "um dos maiores lavadores de dinheiro da Europa", designado pelos jornais irlandeses como John Francis Morrissey, também conhecido como Johnny Cash, durante uma rusga no sul de Espanha.
A operação foi conduzida pela Guardia Civil espanhola, uma das duas forças policiais nacionais do país. Nenhum dos uniformes usados pelos agente coincide com o da polícia neerlandesa, novamente.
Um porta-voz do Ministério Público Nacional neerlandês confirmou à Euroverify que a polícia nacional não tinha detido nenhum cidadão israelita com o nome de "Yukhal Yulita" ou "Shitan Shaul". "Nenhum soldado israelita foi detido nos Países Baixos por ter cometido crimes de guerra", acrescentou o porta-voz.
Detenções na Bélgica
A mesma fotografia da jovem mulher a ser escoltada pela polícia britânica foi também publicada num post viral nas redes sociais, que mais uma vez se referia à mulher como "Yukhal Yulita".
"A polícia belga deteve dois terroristas israelitas por alegados crimes de guerra relacionados com o conflito em Gaza", lê-se na publicação.
"As alegações incluem graves violações do direito humanitário internacional, como o uso de escudos humanos e destruição arbitrária, com provas retiradas da atividade dos soldados nas redes sociais", continuava o texto.
De facto, dois membros das Forças de Defesa de Israel (IDF) foram detidos pela polícia na Bélgica depois de ter sido apresentada uma queixa contra eles por duas ONG, no entanto, a imagem da jovem partilhada na publicação que se tornou viral nas redes sociais não ilustra a detenção belga destes dois soldados.
Bélgica remete para o TPI queixas contra soldados israelitas
Segundo as ONG que apresentaram queixa, a Hind Rajab Foundation e a Global Legal Action Network (GLAN), os dois, alegadamente membros da Brigada Givati, cometeram graves crimes de guerra na Faixa de Gaza.
Os soldados estavam a participar no festival de música de dança Tomorrowland, na Bélgica, segundo confirmou o Ministério Público Federal, que recebeu as queixas. Aqui, terão sido vistos a agitar a bandeira da sua unidade militar.
Os casos foram remetidos para o Tribunal Penal Internacional (TPI). "O Tribunal Penal Internacional está atualmente a conduzir uma investigação sobre possíveis violações graves do direito humanitário nos territórios palestinianos", afirmou o Ministério Público.
O Tribunal de Haia emitiu três mandados de captura públicos relacionados com o conflito entre Israel e Gaza desde os ataques de 7 de outubro.
Os mandados de captura referem-se ao comandante máximo da ala militar do Hamas, Mohammed Diab Ibrahim Al-Masri, ao primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu e ao antigo ministro da Defesa israelita Yoav Gallant.
A Fundação Hind Rajab congratulou-se com a decisão de remeter os casos para o TPI, afirmando que tal "confirma que o assunto atingiu o mais alto nível de atenção jurídica internacional."
No entanto, a ONG criticou a Bélgica, argumentando que deveria ter ido mais longe. "Na nossa opinião, os suspeitos não só deveriam ter sido presos, como também detidos e processados na Bélgica ou extraditados para o TPI", lê-se num comunicado.
"Libertar indivíduos credivelmente acusados de crimes de guerra e crimes contra a humanidade não só mina a confiança do público na justiça, como corre o risco de reforçar um sentimento de impunidade e pode permitir que esses indivíduos cometam mais atrocidades", alegaram.
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