Enterrar dinheiro: uma prática que arruína milhões de euros em Portugal

Enterrar dinheiro. Esta é a principal razão pela qual o Banco de Portugal teve que repor na última década 317 mil notas deterioradas, no valor de 13,8 milhões de euros, entregues por quem pretende recuperar os seus valores.
"As notas são estragadas por humidade e na maioria delas a humidade resulta do facto de as pessoas enterrarem as notas na terra. E depois a humidade da terra mais os bichos da terra fazem a deterioração da nota", explica à Euronews o coordenador da área operacional do numerário do Banco de Portugal, José Luís Ferreira.
Apesar de na maioria dos casos se tratarem de notas enterradas, a criatividade das pessoas quando se trata de esconder dinheiro não tem limites. Há quem esconda no microondas, em lareiras ou até mesmo em fossas séticas.
Para José Luís Ferreira, esta prática pode ser associada à falta de confiança nos bancos ou uma forma de ter dinheiro vivo por perto numa situação de emergência. "As pessoas acham que escondendo as notas vão segurar os seus valores pessoais de roubos e outras intempéries que possam acontecer. E esta prática continua a ter bastante peso junto de pessoas com menor literacia", acredita.
Só em 2024, foram valorizadas mais de 40 mil notas, sobretudo de 20 euros (19.983) e 50 euros (11.993), ascendendo a um montante total superior a 1,7 milhões de euros, o valor mais alto desde 2014.
A estrutura da circulação de dinheiro em Portugal afeta a forma como as pessoas constroem as suas poupanças e a sua reserva de valor, sendo que tal fica evidenciado pelo número de notas de 20 euros valorizadas.
Quanto à nota de 50 euros "é de admitir que a mesma possa ser justificada pelo facto de as pessoas manifestarem alguma preferência por armazenar valor através de notas de maior denominação e assim reduzir o espaço necessário para o seu armazenamento", justifica o coordenador da área operacional do numerário do banco central.
Pandemia fez aumentar número de notas guardadas e estragadas
Recuando até 2014, o ano com o maior número de notas valorizadas foi 2022, num total de 40.954 perfazendo um montante equivalente a 1,5 milhões de euros. A razão está diretamente ligada à pandemia de covid-19, uma vez que nesse período a reserva de valor aumentou.
Terminada a pandemia, as pessoas que guardaram valores em casa que tivessem ficado deteriorados foram apresentá-los ao Banco de Portugal para troca.
José Luís Ferreira também recorda o ano de 2018 como um ano de pico nos serviços de valorização de notas, como consequência dos trágicos incêndios no final de 2017. Nesse ano, foram recuperadas cerca de 32 mil notas, num montante total de 1. 751,220 euros.
Uma das situações, descreve o responsável do Banco de Portugal, foi a de um dono de uma serração de madeira da região centro do país, que dependia do dinheiro de um cofre apanhado pelas chamas dos incêndios para pagar os salários aos trabalhadores.
Mesmo que o cofre resista, o calor, com temperaturas muito elevadas, pode danificar as notas guardadas. No caso descrito, estavam em causa cerca de 40 mil euros.
Como são analisados os pedidos de valorização de notas?
Os critérios para valorização de notas estão estandardizados ao nível da Zona Euro. Significa isto que todos os bancos centrais dos países que aderiram ao euro estão obrigados a cumprir os mesmos critérios.
"Os fragmentos que compõem uma nota, somados, têm que dar mais do que 50% da nota. E esses fragmentos têm que permitir identificar que são pertencentes às notas genuínas. É nesses fragmentos que os nossos técnicos, que estão preparados e utilizam equipamentos específicos para isso, podem ir procurar os tais elementos de segurança que lhes permitem avaliar se aquele fragmento é parte de uma nota genuína ou não é", esclarece José Luís Ferreira.
Para isso, a equipa de técnicos conta com a ajuda de um equipamento de software desenvolvido à medida em Portugal e que analisa rapidamente a dimensão do pedaço de nota entregue face à superfície total. O aparelho é capaz de somar vários fragmentos e averiguar qual a percentagem de nota que restou.
Para que o montante seja devolvido, também é necessário comprovar que a razão do mau estado do dinheiro corresponde à descrição de quem o entregou, já que em caso de dolo pode não haver restituição dos valores.
Há quem também tente enganar os técnicos para ganhar algum dinheiro através de falsificações. Se se comprovar que as notas não genuínas, a informação é passada às autoridades competentes e o dinheiro é apreendido.
"Já recebemos aqui, não raras vezes, uns papelinhos timbrados, uns mais sofisticados, outros menos sofisticados, alegando que eram notas que foram deterioradas, tentando mascarar a falsificação ou contrafação na deterioração da nota. Mas é difícil que passem pelo pelos nossos processos. São processos de controlo muito robustos e posso garantir, com toda a certeza, que nós conseguimos isolar e filtrar todas essas tentativas de enganar o banco no sentido de pagar as notas", assegura o coordenador da área operacional do numerário do Banco de Portugal.
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