Maria Luís Albuquerque diz a Trump que é preciso cumprir a legislação bancária anti-crise
Os EUA devem implementar as regras bancárias pós-crise, apesar dos receios de que a próxima administração Trump possa reduzir as proteções regulamentares, disse a escolha de Portugal para comissária europeia dos serviços financeiros numa audição do Parlamento Europeu, esta quarta-feira.
Maria Luís Albuquerque foi oficialmente confirmada como comissária europeia, após três horas de audição na Comissão dos Assuntos Económicos e Monetário, ao assegurar mais de dois terços dos votos necessários e prepara-se para assumir a pasta dos Serviços Financeiros.
Todos os partidos votaram a favor da candidata portuguesa, à exceção dos eurodeputados da Esquerda Europeia (da qual faz parte o Bloco de Esquerda e PCP) e os Patriotas da Europa (do qual faz parte o Chega).
Ainda antes de receber a aprovação dos eurodeputados, a ex-ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, afastou as preocupações sobre os conflitos de interesse na sua carreira no sector privado - e pareceu rejeitar um apelo de Mario Draghi destinado a aumentar a competitividade através do investimento das companhias de seguros.
"Gostaria de apelar aos nossos parceiros internacionais para que também implementem o quadro adequado", disse Albuquerque, acrescentando: "Estou muito consciente da necessidade de preservar a estabilidade financeira e não defendo uma corrida para o fundo".
O eurodeputado Jonás Fernández (Espanha/Socialistas e Democratas), porta-voz económico do segundo maior grupo do Parlamento Europeu, perguntou como proteger a Europa contra o impacto negativo de uma futura agenda de regulação bancária dos EUA, em comentários feitos quando se tornou claro que o presidente Donald Trump tinha sido reeleito para um segundo mandato.
Trump e o acordo global
A UE já teve de adiar medidas destinadas a proteger os bancos contra o risco de mercado da volatilidade em todo o sistema financeiro, conhecidas como a revisão fundamental da carteira de negociação, uma vez que um recuo semelhante nos EUA significou que bancos concorrentes diretos poderiam estar a operar com regras muito diferentes.
Isto também levou a receios mais gerais de que as proteções financeiras fossem anuladas - em particular porque Trump poderia não cumprir a sua parte do acordo na implementação das normas internacionais estabelecidas pelo Comité de Supervisão Bancária de Basileia, concebidas para evitar uma repetição da crise financeira de 2008.
Fernández acusou Albuquerque de ter passado "diretamente por uma porta giratória" quando deixou o governo para trabalhar para a Arrow Global, uma empresa especializada na compra de empréstimos aos bancos - mas argumentou que a questão tinha sido resolvida na altura, quando era deputada portuguesa.
"Essa questão foi avaliada pela comissão de ética da Assembleia da República e concluiu-se que não havia conflito de interesses nem incompatibilidade... essa questão foi devidamente tratada onde deveria ter sido", afirmou Albuquerque.
"O trabalho de um administrador independente e não executivo é exatamente um papel que se aproxima mais do papel de um regulador do que do papel de um executivo dentro da mesma empresa", acrescentou, referindo-se ao papel que desempenhou em várias organizações do sector privado, incluindo, até agosto, a Morgan Stanley.
Albuquerque propôs poucas medidas novas durante a sua audição de três horas - em vez disso, disse que se iria concentrar na implementação das leis existentes, uma vez que as empresas se queixam de uma onda de legislação que está a travar o crescimento.
Aumento da competitividade
Depois de alguns anos em que se assistiu a uma série de regulamentos de Bruxelas sobre questões como as finanças sustentáveis e a tecnologia financeira, a sua abordagem será provavelmente bem recebida pelo setor financeiro - mas Albuquerque também pareceu rejeitar os apelos para reduzir as obrigações existentes para ajudar a economia.
Num recente relatório de referência sobre a competitividade europeia, Draghi, anteriormente presidente do Banco Central Europeu e primeiro-ministro de Itália, apelou à redução dos requisitos de capital das seguradoras e dos fundos de pensões para que estes possam investir em empresas inovadoras.
"Acabámos de rever o projeto Solvência 2", disse Draghi, depois de ter sido questionado pelo eurodeputado alemão Markus Ferber, coordenador económico do Partido Popular Europeu (Democratas-Cristãos).
"Ainda há muito trabalho a fazer para que este acordo possa ser implementado no terreno, por isso, eu daria algum tempo para ver se funciona", acrescentou.
As audições dos 26 candidatos a comissários europeus decorrem até 12 de novembro e os eurodeputados já manifestaram preocupações quanto à escolha da conservadora sueca Jessika Roswall para liderar o Pacto Ecológico Europeu.