Web Summit 2025: como pode a Europa construir o seu "sistema imunitário digital"?
O tema da cibersegurança foi incontornável ao longo do primeiro dia da Web Summit. Ao início da manhã, do dia 2, discutiu-se o que é necessário para "construir o sistema imunitário digital da Europa", num painel que contou com a participação de Luísa Proença, diretora nacional-adjunta da Polícia Judiciária.
Em entrevista à Euronews, a responsável da autoridade judiciária detalhou que o novo contexto tecnológico, mas também geopolítico, numa altura em que continua em curso uma guerra no leste europeu, "traz novas ameaças", mas também "novas oportunidades".
"O que mudou para uma polícia como a Polícia Judiciária é uma necessidade permanente de perceber o que é que se passa no mundo, de apostar muito na inovação, na tecnologia, nas parcerias com o setor privado, com as universidades, com a academia, com a indústria de uma forma geral, mas também com a sociedade civil, com as comunidades locais, com os cidadãos, para que consiga perceber melhor o que é que está a acontecer", elaborou a diretora nacional-adjunta da Polícia Judiciária.
Até porque os mais recentes avanços tecnológicos fizeram com que as infraestruturas críticas dos vários países da União Europeia, bem como as próprias autoridades nacionais, estivessem cada vez mais interconectadas.
"O facto das entidades estarem mais conectadas traz-nos, por um lado, um risco também conectado, porque quando há um incidente num determinado ponto, muito naturalmente ele terá repercussões noutras fases da cadeia", alertou Luísa Proença. No entanto, acrescentou ainda, possibilita também que, quando este é resolvido, tal acontece numa "dimensão maior", com impactos que acabam por abranger um maior número de países de uma só vez.
Os desafios, portanto, são vários. "Por um lado, ao nível tecnológico, mas, por outro, ao nível da capacitação de quem tem a competência para prevenir e combater o crime, como é o caso da Polícia Judiciária, ao nível das competências das suas pessoas internamente, mas também naquilo que faz com o mundo exterior, nas campanhas de prevenção", explicou a responsável da autoridade criminal, que considerou ainda que a literacia é, além do mais, uma ferramenta "absolutamente essencial" para também dar resposta a estas novas ameaças ao nível da cibersegurança.
"A literacia é absolutamente fundamental e cada um de nós é um ponto vulnerável. E, portanto, todos nós precisamos de aumentar a nossa literacia. Eu diria que deveria fazer parte até dos programas escolares, desde a mais tenra idade", defendeu a diretora nacional-adjunta da Polícia Judiciária, recordando que "as pessoas são os principais pontos fracos no meio desta cadeia" de riscos à segurança e, especificamente, à cibersegurança.
A coordenação a nível europeu é, por isso, um elemento-chave a não esquecer no âmbito da construção do "sistema imunitário digital" da Europa. "É muito importante que a PJ, juntamente com as suas congéneres, esteja, de facto, no mesmo sentido. Estamos todos a trabalhar em conjunto para perceber, de forma global, quais são essas ameaças e aquela que possamos sentir em Portugal, provavelmente." Não afetará apenas Portugal, mas também países como a "Alemanha, França, os países nórdicos, onde quer que seja", exemplificou.
Assim, além de ser imperativa a cooperação entre as autoridades dos diferentes países, Luísa Proença indicou que uma variável da equação prende-se com a inovação, tanto numa perspetiva tecnológica como de recursos humanos. "É uma tendência agora na Europa, e a PJ já tem, há uns anos, um laboratório de inovação. [A PJ] criou uma estrutura dedicada à inovação que lhe permite, por um lado, olhar para o futuro", não esquecendo aqueles que são os riscos do presente e as aprendizagens do passado. A "partilha de boas práticas", da "tecnologia, das melhores soluções, das melhores abordagens" tem de ser, a esse nível, uma prioridade, considerou.
Outra forma de responder ao problema poderá passar pela aposta na autonomia estratégica da Europa. "Esse investimento que a Europa faz em tecnologia tem de ser maximizado, tem de se traduzir também em soluções europeias. Não digo que passe por 'fechar' a Europa, do ponto de vista tecnológico, isso não acontece. Mas [a solução] é, realmente, reduzir a dependência que temos. E nós, na Europa, temos muita capacidade tecnológica, temos cérebros brilhantes, temos universidades de topo, então, acho que estamos no caminho certo para conseguir essa autonomia estratégica que nos torne mais fortes e menos vulneráveis aos ataques do exterior."
Sobre os principais desafios que impactam, atualmente e, de forma mais ampla, o bloco europeu, Luísa Proença começou por enumerar: "Por um lado, as redes criminosas que aproveitam os fluxos migratórios e, nessa medida, temos comunidades muito frágeis que facilmente entram nas mãos dos grupos organizados, do crime organizado."
Não esquecendo, porém, o "tráfico de droga e de crianças, a exploração sexual de menores e todo o contexto online a que elas estão sujeitas, muitas vezes sem o acompanhamento de quem tem a obrigação de os acompanhar, que são, em primeiro lugar, os pais, os cuidadores e, depois, as escolas." As "transações financeiras online", principalmente no que diz respeito aos "criptoativos", que acabam por "financiar o terrorismo", mas também "o branqueamento de capitais", são também questões que têm merecido a preocupação das autoridades judiciárias europeias.
Perante um ambiente digital que "não tem fronteiras", é requerido à Europa que estabeleça "comunicações mais seguras, para evitar que haja realmente intromissão e disrupção daquilo que são as nossas redes de comunicação" e que as autoridades trabalhem, de facto, para que "a Europa seja cada vez mais resiliente", concluiu a diretora nacional-adjunta da PJ.
Ainda assim, em comparação com tempos passados, a "Europa está seguramente melhor preparada". Até porque "tem os instrumentos regulamentares necessários, que por vezes, parecem que são um impedimento ao progresso", embora Luísa Proença tenha relembrado que "não nos podemos esquecer de que temos que preservar a vida das pessoas e a sua privacidade".
Ainda assim, questionada sobre se a União Europeia está já preparada, neste momento, para responder adequadamente a todas estas ameaças, a responsável concluiu: "Nunca estaremos totalmente preparados, mas, pelo menos, estamos conscientes do risco e estamos a trabalhar no sentido de estarmos cada vez mais capacitados. E não sei se alguma vez estaremos [preparados], porque a tecnologia está sempre a evoluir, o crime está sempre a evoluir, a mudar."
Veja acima a reportagem da equipa da Euronews na Web Summit, em Lisboa.
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