As fotos do PREC escolhidas e comentadas por Luiz Carvalho

Quando se deu o 25 de Abril de 1974, Luiz Carvalho estava longe de imaginar a carreira de fotojornalista que o esperava: mais de vinte anos ao serviço do semanário Expresso e correspondente da agência SIPA Press.
Então com 19 anos, Luiz era então um jovem estudante de arquitetura com uma paixão pela fotografia que, armado com a sua Nikon F, registou nas ruas de Lisboa toda a efervescência revolucionária que se vivia.
O período entre a revolução de 1974 e a tentativa de golpe e contragolpe de 25 de Novembro de 1975, conhecido como Processo Revolucionário em Curso (PREC) e do qual passam agora 50 anos, é o tema do livro e da exposição "50DE25", que Luiz Carvalho apresenta em Lisboa, na Sociedade Nacional de Belas Artes, até ao dia 23 de agosto.
A exposição inclui não só fotos da época que se tornaram icónicas, como uma série de retratos dos protagonistas dessa fase da história de Portugal, tirados já numa fase posterior.
Para a Euronews, Luiz Carvalho aceitou comentar algumas das suas fotos favoritas:
Esta foto resume aqueles dias de grande alegria. Foi feita no 1 de Maio de 1974. Estava ali para encontrar pormenores do que estava a acontecer. Quando vejo este camião militar, com os soldados atrás a manifestarem-se com as espingardas no ar, os miúdos a fazer o V da vitória, o oficial à frente na carrinha a fazer também o V da vitória, esta fotografia é, para mim, perfeita do ponto de vista estético. Não há nada que esteja a mais ou nada que esteja a menos. É claro que há outras fotos desta série, algumas na vertical, mas é esta que, para mim, representa o instante decisivo do que foi o 25 de Abril.
Esta é a chegada do primeiro navio de tropas da Guiné-Bissau. Estava sempre atento à rádio, que era na altura o meio privilegiado de informação. Estava no meu gabinete de arquitetura e oiço que está a chegar o navio. Saio às 4 da tarde e vou até ao Cais da Rocha do Conde de Óbidos. Era incrível ver as pessoas que esperavam os soldados e como estes se apresentavam: um estava vestido com uma t-shirt de Amílcar Cabral (fundador do PAIGC, movimento independentista da Guiné-Bissau e Cabo Verde), ou seja, daqueles contra quem tinha estado a combater e um cinto com duas pistolas cruzadas na fivela.
Outros traziam animais exóticos, o que era normal na altura.
Um soldado perdido, triste, entre sombras, no dia 26 de abril (de 1974). Poderia ter sido no 25 de Novembro, como naquela famosa fotografia de Alain Mingam dos paraquedistas de Tancos a chorarem. É uma fotografia de que gosto muito e prefiro não dizer que foi feita no dia 26 de abril, porque é uma foto que representa o fim da festa. Ou talvez do princípio da festa, porque os soldados não sabiam muito bem o que estavam ali a fazer. Adotaram a atitude de defender o povo, de estar sempre ao lado do povo, e isso aconteceu. Foi um dos aspetos mágicos da nossa revolução, por isso esta foto, para mim, tem um significado muito especial.
A pessoa que eu fotografei neste período e mais me marcou foi José Mário Branco, com quem tive muito contacto e trabalhei no teatro. Era uma pessoa de uma humanidade incrível, que pensava pela sua cabeça. Era um homem de esquerda, no sentido em que defendia valores, mas não era um homem de partidos. Pode ter colaborado uma ou outra vez com alguns partidos, mas era independente. Muito culto, um músico extraordinário, marcou-me muito como ator e músico.
Esta fotografia foi usada para a capa do álbum "Ser Solidário" (1982). José Mário Branco marcou-me muito, não pela política, mas pelo que ele era.