"Nunca me aconteceu isto": humoristas lusófonos barrados em Maputo denunciam tratamento "desumano"

Os três humoristas lusófonos que, no último domingo, ficaram retidos no Aeroporto de Maputo em Moçambique, tendo sido impedidos de realizar um espetáculo agendado para esse dia na capital moçambicana, já regressaram a Portugal e fazem críticas à decisão das autoridades do país africano.
Na chegada ao aeroporto de Lisboa, na segunda-feira ao final da tarde, o angolano Gilmário Vemba, um dos três humoristas em causa, a par do português Hugo Sousa e do brasileiro Murilo Couto, denunciou um "tratamento desumano"
"O aeroporto de Moçambique não tem condições para albergar pessoas. Sendo que nós - portugueses e angolanos - temos isenção de visto, o espetáculo já tinha sido cancelado, não havia risco de fuga”, afirmou Gilmário Vemba, em declarações a vários órgãos de comunicação social portugueses que aguardavam os humoristas no aeroporto de Lisboa.
"O tratamento foi desumano", vincou, numa posição reforçada pelo colega Hugo Sousa, que fala em "momentos muito complicados", revelando que não receberam comida nem água e tiveram de dormir no chão.
As autoridades migratórias de Moçambique salientaram que os humoristas tentaram entrar no país com um visto de turismo, quando o objetivo era realizar um espetáculo, e deixaram claro que o grupo deveria ter requerido um visto cultural.
“Vieram ao país, mas não obedeceram aos critérios para entrar. Porque eles vinham para dar um espetáculo, um show, portanto, uma atividade cultural”, afirmou, esta segunda-feira, o diretor-geral do Serviço Nacional de Migração (SENAMI), Zainadine Danane.
Gilmário Vemba referiu que a lei sobre aos vistos de entrada em Moçambique mudou em 2022, mas lembrou que, em 2024, fez um espetáculo de comédia no país sem que tivesse havido qualquer problema.
"Há muitos anos que vou a Moçambique fazer espetáculos e nunca me aconteceu isto", notou.
"Estávamos, obviamente, com todas as condições para chegar e fazer o nosso trabalho. Não é a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez que vou para Maputo fazer esse tipo de espetáculo e no ano passado estive lá com o mesmo produtor e a única coisa nova foram esses dois [humoristas]", acrescentou.
Segundo a Showtime, agência promotora do espetáculo Tons de Comédia, protagonizado pelos três humoristas, a imigração declarou que "não seria autorizada a entrada no país" e pediu que "a comitiva fosse devolvida a Luanda”, de onde tinha partido com destino a Moçambique.
Os artistas, ainda assim, optaram pelo voo da TAP para Portugal, marcado para o dia seguinte, tendo o agente do grupo, Pedro Gonçalves, solicitado “que fosse autorizada a entrada temporária como turistas, a fim de poderem realizar uma refeição, pernoitar no hotel e regressar ao aeroporto na manhã seguinte para embarcar no voo com destino a Lisboa”.
Só que este pedido foi aceite apenas para o agente, que o recusou por estar a acompanhar os humoristas.
“Nós andámos um bocadinho por este mundo e obviamente que nós nos preparámos para todos os países para os quais nos deslocamos, mesmo para garantir que nada de errado aconteça. É uma logística muito grande e não aconteceu em nenhum país, tanto aqui na Europa, nem em Angola, nem em São Tomé, nem em Cabo Verde e não percebemos porquê”, sublinhou Gilmar Vemba.
"Motivações políticas"
Vemba rejeita assumir que a proibição de entrada em Moçambique se deva a ordens superiores.
“Da minha parte, não consigo afirmar que seja isso. Eles alegaram que não tinham o tal visto de atividades culturais. Se sim ou não, não consigo alegar".
Contudo, o ex-candidato presidencial moçambicano, Venâncio Mondlane, que não reconhece os resultados das eleições gerais de 9 de outubro do ano passado, não tem dúvidas de que houve "motivações políticas".
"Eu acredito que sim, porque o Gilmário, para além de ter sido um dos primeiros angolanos que afirmativamente se posicionou em relação à verdade eleitoral de Moçambique, ele também foi, digamos assim, o embaixador da minha marca pessoal que lancei em Portugal".
Venâncio Mondlane esteve nas últimas semanas na Europa, tendo passado pela Alemanha, onde foi recebido pelo partido Die Linke (“A Esquerda”) e por Portugal, onde se reuniu com delegações do PSD, CDS, Chega e Iniciativa Liberal.
Em solo português, Mondlane publicou imagens de um encontro com Gilmário Vemba, com quem diz ter falado ainda no domingo.
"Eu disse, olha Gilmário, meu irmão, finalmente já foste batizado. Só isso que eu posso dizer", gracejou Venâncio Mondlane.
No encontro na capital portuguesa, os dois destacaram a palavra "Anamalala", que, numa língua local falada no norte de Moçambique, significa "vai acabar" ou "acabou". Foi a expressão usada por Mondlane durante a campanha para as eleições de 9 de outubro que redundaram na vitória de Daniel Chapo, da Frelimo, e utilizada nos protestos por si convocados nos meses seguintes como símbolo de encerramento de ciclo e de renovação.
Entretanto, Venâncio Mondlane foi notificado para comparecer esta terça-feira na Procuradoria-Geral da República (PGR), após o seu regresso da digressão política europeia, acabando por ser acusado de cinco crimes, incluindo desobediência e terrorismo.
"É a primeira vez em 30 anos de democracia em que nós conseguimos levar até ao extremo a questão de desvendar, tirar o véu da fraude. Tiramos a máscara da fraude e levamos até a extrema resistência contra um regime ditatorial que se mantém com base nas armas, com base nos assassinatos e nos sequestros", afirmou aos jornalistas Venâncio Mondlane que segue agora para julgamento com o apoio de uma "equipa internacional" de advogados e de "consciência tranquila", salientando que prestou "um grande serviço" a Moçambique.
IL acusa governo português de inação
A Iniciativa Liberal (IL) pediu à embaixadora de Moçambique em Portugal esclarecimentos sobre o caso.
O partido quer que se clarifique "se houve interferência de natureza política ou governamental na decisão tomada pelas autoridades migratórias moçambicanas", exigindo ainda que "sejam prestadas garantias de que casos como este não se repetirão".
"É demasiado notório que este barramento de Hugo Sousa, Gilmário Vemba e Murilo Couto prende-se pelo facto de Gilmário Vemba, ao longo do último ano, ter tomado posição política de afinidade, de proximidade ou de apoio a Venâncio Mondlane. Ainda há dez dias estiveram juntos e, portanto, claramente é essa a razão", afirmou, Rodrigo Saraiva, em declarações à Antena1.
"O nosso Ministério dos Estrangeiros está a ver se não melindra o regime de Moçambique perante um ato grave de limitação de liberdade de circulação e de liberdade política de cidadãos lusófonos a entrar em Maputo. Gilmário Vemba já esteve em Moçambique no passado, exatamente da mesma forma. Foi fazer espetáculos. Ele estava a proceder da mesma forma que procedeu no passado e, desta vez, foi barrado", refere o deputado dos liberais.
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