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De Londres a Nova Iorque em 3,5 horas: Boom Supersonic está a aprender com os erros do Concorde

• Jan 29, 2025, 6:30 PM
24 min de lecture
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Poderão os aviões do futuro viajar mais depressa do que a velocidade do som? Já passaram mais de 20 anos desde que o último voo supersónico de passageiros descolou, mas uma empresa americana quer trazê-lo de volta.

A Boom Supersonic, sediada no Colorado, está a desenvolver o primeiro avião supersónico de passageiros do mundo desde o desaparecimento do Concorde. Apesar de ainda faltarem alguns anos para o modelo do avião em tamanho real, a empresa atingiu um marco no projeto ao quebrar, com sucesso, a barreira do som com o seu avião de teste em pequena escala, na terça-feira.

O XB-1, carinhosamente conhecido como "Baby Boom", é um exemplar à escala de 1:3 utilizado para testar a tecnologia que a Boom irá empregar no seu avião à escala real. Ontem, o XB-1 atingiu a velocidade de Mach 1,05 cerca de 11 minutos após a descolagem.

"O voo supersónico do XB-1 demonstra que a tecnologia para o voo supersónico de passageiros já está disponível", afirmou o fundador e diretor-executivo da Boom, Blake Scholl, num comunicado. "Um pequeno grupo de engenheiros talentosos e dedicados conseguiu o que anteriormente exigia governos e miliões de dólares."

O avião, que voou pela primeira vez em março, é quase totalmente feito de fibra de carbono leve. Utiliza um sistema de visão de realidade aumentada para ajudar na aterragem, uma vez que o nariz comprido e o ângulo de aproximação elevado podem dificultar a visão dos pilotos.

Ultrapassar a barreira do som foi um marco importante para o Boom Supersonic.
Ultrapassar a barreira do som foi um marco importante para o Boom Supersonic. Boom Supersonic

"O futuro da aviação é aqui e agora", disse Amy Marino Spowart, presidente e diretora-executiva da Associação Nacional de Aeronáutica. "Não só existe esperança para um voo comercial mais rápido e melhor, mas o Boom também prova que tal pode ser feito de forma sustentável."

O avião Overture, da Boom, será o primeiro avião supersónico de passageiros em mais de duas décadas. Mas será que este avião pode ser bem-sucedido quando os esforços anteriores para nos fazer viajar mais depressa falharam?

Uma breve história dos aviões supersónicos de passageiros

Na década de 1950, toda a gente estava convencida de que o supersónico era a próxima grande novidade nas viagens aéreas. Tendo praticamente dominado o motor a jato, a indústria aeronáutica inspirou-se em Chuck Yeager,** o primeiro a quebrar a barreira do som em 1947. Os principais fabricantes começaram a conceber um avião comercial de passageiros que pudesse fazer o mesmo.

A Boeing, certa de que o poderoso 747 seria o último avião subsónico que produziria, começou a trabalhar no 2707 SST (transporte supersónico). A Lockheed propôs o L-2000, um avião supersónico que podia transportar 250 passageiros. No entanto, nenhum dos dois aviões chegou a ser produzido.

Apenas dois aviões supersónicos de passageiros entraram em serviço - o russo Tupolev Tu-144 e o venerável Concorde anglo-francês. No total, foram construídos 20 Concordes, embora apenas 14 tenham voado em serviço de passageiros. A Rússia construiu 16 Tu-144s.

A versão russa, o Tu-144, teve ainda menos sucesso do que o Concorde.
A versão russa, o Tu-144, teve ainda menos sucesso do que o Concorde. Wikimedia

O Tu-144 - carinhosamente conhecido na indústria como o "Concordski" - entrou ao serviço em 1975, mas foi retirado do serviço de passageiros apenas três anos mais tarde. O Concorde durou mais tempo, voando de 1976 até 2003.

Então, porque é que a aviação desistiu tão cedo do transporte supersónico de passageiros?

Qual foi o problema com o Concorde?

A ambição por um avião supersónico de passageiros era grande. Na altura em que o Concorde efetuou o seu primeiro voo de ensaio, tinham sido recebidas encomendas de mais de 100 aviões de dezenas das principais companhias aéreas da época. A Pan Am, a American Airlines, a BOAC e a Lufthansa contavam-se entre as muitas transportadoras interessadas em realizar rotas mais rápidas.

Mas mesmo antes de o avião entrar ao serviço da British Airways e da Air France, muitas destas encomendas foram canceladas. Havia três problemas principais com o avião - ruído, fumo e dinheiro.

O colapso da bolsa de 1973 e a crise do petróleo, no mesmo ano, tornaram as companhias aéreas bastante cautelosas em relação aos aviões que consumiam muito combustível. Os relatórios sugeriam que o Concorde atingia uma eficiência de combustível por passageiro de 15,8 mpg (17,8 L/100 km), o que o tornava uma opção que exigia grande consumo.

O Concorde só foi pilotado por duas companhias aéreas.
O Concorde só foi pilotado por duas companhias aéreas. Wikimedia

Em comparação, o Boeing 747 atingia uma taxa de mpg por passageiro de 46,4 (6,1 L/100 km), e o popular Douglas DC-10 chegava aos 53,6 mpg (5,3 L/100 km).

Para além das preocupações com o consumo de combustível, o ruído da explosão sónica do Concorde causou problemas que inviabilizaram as rotas planeadas com os potenciais compradores. As queixas de janelas partidas e estuque rachado nas casas situadas sob a trajetória do voo, e até de agricultores que relataram pânico entre os animais, levaram a que o Concorde fosse proibido de sobrevoar a terra em modo supersónico.

Como resultado, o avião foi forçado a voar em modalidade subsónica até chegar a mar aberto. Isto significava que as rotas de alta velocidade do Concorde se centravam principalmente entre a Europa e os EUA, tornando o avião menos atrativo para os potenciais compradores que pretendiam operar rotas sobre terra.

Concluindo, apenas a Air France e a British Airways voaram com o Concorde. No entanto, a colocação do avião em funcionamento, para viagens de passageiros, representou outro desafio, uma vez que os custos de alimentação de um jato que consome muito combustível com uma carga modesta de passageiros - de cerca de 100 pessoas - tornaram a viabilidade económica do projeto muito fraca.

Para tornar o Concorde rentável, as duas companhias aéreas tiveram de cobrar preços exorbitantes pelos bilhetes. De acordo com o Museu Nacional do Ar e do Espaço, nos EUA, a British Airways cobrava cerca de 12.000 dólares (11.550 euros) por uma viagem de ida e volta entre Londres e Nova Iorque. Ajustado à inflação, este montante corresponde a cerca de 66.000 dólares (63.500 euros) nos valores de hoje em dia.

As companhias conseguiram fazer um bom negócio - quase. Apesar dos elevados custos, ambas as companhias aéreas conseguiram vender bilhetes, com os passageiros a encararem a viagem como uma oportunidade "única na vida". Mas a cabine era ruidosa, malcheirosa e apertada - dificilmente uma experiência de luxo que justificasse o dinheiro gasto.

O malfadado Concorde da Air France momentos antes de se despenhar em 2000.
O malfadado Concorde da Air France momentos antes de se despenhar em 2000. Wikimedia

O golpe de misericórdia surgiu quando um Concorde da Air France se envolveu num acidente fatal em 2000. A existência de detritos na pista levou à rutura de um pneu, o que depois motivou a perfuração de um dos tanques de combustível. O avião despenhou-se, assim, contra um hotel próximo, causando a morte de 113 pessoas.

Embora tanto a British Airlines, como a Air France, tenham invocado os elevados custos de manutenção para a retirada de circulação das suas frotas de Concorde em 2003, existiram muitos fatores em jogo. Na verdade, o mercado tinha mudado e a tendência para voos de baixo custo e aviões mais eficientes tinha tornado o Concorde redundante.

Irá o Boom Supersonic ter sucesso nas dimensões em que o Concorde falhou?

Se acreditarmos na propaganda, o Boom afirma já ter resolvido muitos dos problemas que contribuíram para o desaparecimento do Concorde. O ruído, o custo e a eficiência são as principais prioridades a ser respondidas pela empresa.

Parte do perfil de ruído do Concorde era o resultado direto da utilização de pós-combustores, pelos motores, para atingir o voo supersónico. O Overture não utilizará pós-combustores, o que deverá reduzir significativamente o consumo de combustível e o ruído associado.

O Boom's Overture terá quatro motores mas não terá pós-combustores.
O Boom's Overture terá quatro motores mas não terá pós-combustores. Boom Supersonic

Para os passageiros, a cabine oferece um ambiente bastante diferente do oferecido pelo espaço apertado e ruidoso do Concorde. Medidas avançadas de insonorização significam que não deverá parecer, para os que seguem a bordo, mais ruidosa do que um avião a jato convencional. Além disso, a empresa já apresentou alguns projetos para os espaços interiores da aeronave, que parecem adequadamente luxuosos e confortáveis.

Os camarotes foram concebidos para serem um mundo de distância do ambiente ruidoso e apertado do Concorde.
Os camarotes foram concebidos para serem um mundo de distância do ambiente ruidoso e apertado do Concorde. Boom Supersonic

A empresa desenvolveu ainda a sua própria solução de motor que, segundo afirma, reduzirá o consumo de combustível. Estes motores foram concebidos para funcionar com combustível de aviação 100% sustentável, o que, embora ainda não esteja disponível em grande escala, reduziria ainda mais o seu impacto ambiental.

O Overture ainda não conseguiu eliminar o efeito da chamada explosão sónica, mas graças a uma aerodinâmica mais otimizada, o impacto será reduzido significativamente. A empresa promete que o Overture será capaz de sobrevoar a terra a Mach 0,94, cerca de 20% mais rápido do que os aviões subsónicos, sem ultrapassar a barreira do som.

Por enquanto, o avião supersónico estaria limitado a quebrar a tal barreira do som sobre a água. A Boom afirma que existem mais de 600 rotas transoceânicas nas quais o Overture poderia fornecer uma solução supersónica sem alterar os regulamentos atuais relativos às explosões sónicas.

A Boom espera colocar o Overture ao serviço dos passageiros até ao final da década.
A Boom espera colocar o Overture ao serviço dos passageiros até ao final da década. Boom Supersonic

"O Overture foi criado para obter um desempenho otimizado e cumprir os nossos rigorosos requisitos de segurança e sustentabilidade", afirma a Boom Supersonic, que acrescenta: "Estamos a tirar partido de mais de cinquenta anos de avanços em aerodinâmica, materiais e propulsão para construir aviões supersónicos económica e ambientalmente viáveis."

Mas e a procura de mercado? Na fase final da vida útil do Concorde, a British Airways afirmou que apenas conseguia vender cerca de metade dos bilhetes disponíveis. A Air France, ainda a sofrer as consequências do trágico acidente de 2000, vendia ainda menos, apenas cerca de 35%.

Os preços dos bilhetes do Concorde situavam-se na categoria de "ultra luxo". Em contrapartida, a Boom dirige-se àqueles que viajam por motivos profissionais e fixa os preços dos lugares em conformidade. As primeiras estimativas indicam um bilhete de ida e volta, entre a Europa e os EUA, por cerca de 5.000 dólares (4.800 euros), o que corresponde ao que os passageiros pagam, atualmente, por lugares em classe executiva nos jatos normais.

"Atualmente, existe procura de mercado, bem como a tecnologia necessária para permitir viagens supersónicas", afirma a empresa. "As viagens de negócios e de lazer têm continuado a crescer e os viajantes estão dispostos a pagar pela velocidade."

A United Airlines é uma das transportadoras que se comprometeu a operar o jato supersónico.
A United Airlines é uma das transportadoras que se comprometeu a operar o jato supersónico. Boom Supersonic

A Boom tem como objetivo a entrada em serviço do seu avião, Overture, em 2029. Já recebeu encomendas para 130 aviões de várias companhias aéreas mundiais, incluindo a American Airlines, a United e a Japan Airlines. Se conseguir evitar as armadilhas que puseram fim à carreira do Concorde, as viagens supersónicas podem muito bem voltar a ser uma realidade.