Idealizou a UE mais de 100 anos antes da sua fundação. Quem foi Jastrzębowski?

Jastrzębowski já tinha formulado uma visão da unificação pacífica do Velho Continente mais de um século antes dos reconhecidos Pais da Europa.
Wojciech Bogumił Jastrzębowski nasceu em abril de 1799, em Szczepkowo-Giewarty, perto de Mława, a cerca de 150 km de Varsóvia. Era uma figura extremamente versátil, combinava a paixão pela natureza com o envolvimento social.
Como botânico, físico e zoólogo, realizou investigação científica, interessando-se também pela meteorologia e pela ergonomia. Com o passar do tempo, a sua atenção foi também atraída para a geopolítica - um domínio que viria a revelar-se crucial para o seu trabalho futuro.
Como recorda a sua biógrafa Alicja Wejner, "ele costumava dizer que um mundo sem guerras, com ar puro e água limpa eram necessários para a felicidade humana." Na sua opinião, a concretização destas exigências requeria cooperação - tanto a nível local como à escala continental.
De um campo de batalha sangrento a uma visão de paz
A experiência mais marcante veio com a Revolta de novembro - insurreição militar ocorrida na Polónia entre 1830 e 1831 contra o domínio russo.
Apesar do seu estatuto de cientista, Jastrzębowski alistou-se como um vulgar artilheiro na Guarda Nacional e o destino atirou-o para o meio da batalha mais sangrenta do conflito - a Batalha de Olszynka Grochowska, a 25 de fevereiro de 1831. A crueldade desta batalha, onde morreram pessoas de ambos os lados, abalou-o profundamente.
Foi nos intervalos entre as batalhas, quando o exército russo ameaçava tomar Varsóvia, que o jovem académico escreveu os seus pensamentos, um texto com o título "Sobre a paz eterna entre as nações - Os momentos livres do soldado polaco, ou pensamentos sobre a paz eterna entre as nações civilizadas".
Este documento de 77 artigos, que viu a luz do dia no jornal "Mercury", pode ser considerado como o primeiro projeto de constituição de uma Europa unida na história.
Uma visão revolucionária de um continente unido
A Constituição de Jastrzębowski era um projeto muito à frente do seu tempo. O autor imaginava a Europa como uma república única, sem fronteiras internas, com uma legislação unificada e órgãos de governo compostos por representantes de todas as nações.
Eis alguns excertos deste documento:
O texto diz ainda o seguinte:
A passagem sobre a solidariedade europeia é particularmente profética no contexto da guerra na Ucrânia:
A base desta visão seria a "lei universal das nações", que - introduzida primeiro numa Europa unida - devia depois estender-se a outros continentes.
Jastrzębowski apelava ao desarmamento universal, à abolição das fronteiras, à garantia das liberdades civis e à tolerância religiosa.
A ideia arrojada não escapou à atenção das autoridades czaristas que governavam a Polónia na altura. Após a repressão da "Revolta de novembro", os russos proibiram a distribuição do panfleto, receando o seu impacto no sentimento público. Esta proibição condenou efetivamente a obra ao esquecimento durante décadas.
Como explica o impulsionador contemporâneo do legado de Jastrzębowski, o ator Olgierd Łukaszewicz, numa entrevista à Euronews. "A nossa história não nos permitiu lidar com as ideias dos polacos sobre uma Europa unida e pacífica. E essas ideias continuaram a ser apresentadas pelo rei Leszczyński ou Czartoryski. E, finalmente, Jastrzębowski criou o melhor projeto, que deveria ser analisado em todas as escolas."
Redescoberta da "Constituição para a Europa
O texto de Jastrzębowski só foi retirado do esquecimento no século XX pelo historiador professor Janusz Iwaszkiewicz.
Esta importante fase de evocação do visionário polaco ocorreu antes da Segunda Guerra Mundial, mas os acontecimentos dramáticos dos anos seguintes relegaram a sua figura para segundo plano.
A missão de Iwaszkiewicz de recordar Jastrzębowski foi inspiração para Olgierd Łukaszewicz, um ator conhecido por produções cinematográficas como "Sexmission", "C.K. Dezerterzy" e "Generał Nil", bem como pelo seu trabalho no palco do teatro.
Há duas décadas é ele quem populariza o legado do pensador esquecido, esforçando-se por torná-lo parte do cânone do pensamento político europeu.
Wojciech Bogumił Jastrzębowski morreu a 30 de dezembro de 1882, em Varsóvia, sem ter vivido para ver a sua visão concretizada. Os seus pensamentos, que, na opinião de Lukaszewicz, estavam várias gerações à frente da época, ganham hoje uma nova relevância face aos desafios europeus contemporâneos.
"Neste texto, encontramos slogans que nos recordam a situação atual da Ucrânia e, ao mesmo tempo, recordam-nos o que foi a Revolta de novembro. Os polacos sonhavam com a liberdade, a independência e o respeito pela sua Constituição de 3 de maio. Infelizmente, estes slogans do século XIX, estes pensamentos são muito relevantes hoje em dia e temos de nos envolver", afirma Olgierd Łukaszewicz.
Lutar pela Marca do Património Europeu 2025
Recentemente, através dos esforços da Fundação MyOcitizens EU, fundada por Lukaszewicz, o manuscrito da "Constituição para a Europa" candidatou-se ao prestigiado estatuto de Marca do Património Europeu.
"Pensámos muito que ele devia estar entre os pensadores, os políticos que viram a hecatombe da Segunda Guerra Mundial e que viram o que estava a acontecer na Polónia. Bem, mas estamos no século XIX. Por isso, se a Comissão Europeia decidir, juntamente com o Parlamento, que é digno da marca do património europeu, ficaremos satisfeitos", comentou Lukaszewicz numa entrevista à Euronews.
Até agora, 60 locais receberam esta honra, incluindo vários polacos - como a Constituição de 3 de maio, o Estaleiro de Gdańsk ou monumentos em Lublin relacionados com a União de Lublin. O veredito será conhecido a 1 de março de 2026.
Veja mais fotografias da visita da Euronews à Fundação Nós, os Cidadãos da União Europeia, fundada por Olgierd Lukaszewicz:
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