Dez edições de Web Summit em Portugal. Uma década de apoio público, inovação e alguma controvérsia

Desde que chegou a Lisboa em 2016, trocando a capital da Irlanda pela portuguesa, Patrick "Paddy" Cosgrave fez da Web Summit um dos maiores eventos tecnológicos do mundo. Ao fim de dez edições e quase dez anos, a cimeira atraiu à capital portuguesa milhares de empreendedores e investidores de gigantes tecnológicos como a Amazon, Meta (Facebook), Alphabet (Google), IBM e Nvidia. E foi com a ajuda estatal que, em 2018, a máquina de juntar startups de todo o mundo ganhou consistência e fama.

Em 2016, o Governo português, a Câmara Municipal de Lisboa e a Web Summit assinaram um contrato de apoio logístico e financeiro para que a feira acontecesse no Parque das Nações, por um período ininterrupto de três anos.

Em 2018, o sucesso demonstrado em três edições levou o Governo a renovar o acordo até 2028 com um compromisso anual de até 11 milhões de euros para a realização do evento, que foi crescendo em número de visitantes. Esse valor seria financiado pela taxa turística. Nessa mesma altura, um estudo sobre o impacto económico da Web Summit 2016-2028, publicado em novembro de 2018, apresentava números bem positivos, apesar de serem valores estimados e com base em cenários:

“Considerando os efeitos multiplicadores, o impacto da Web Summit no valor bruto da produção nacional terá alcançado 160 milhões de euros em 2016 e 180 milhões de euros em 2017. Para 2028, o impacto estimado, assumindo 120 mil participantes, deverá atingir 386 milhões de euros, consoante o cenário considerado”.

Os 120 mil participantes foram o número estimado no estudo. Muito dificilmente a Web Summit conseguirá receber 120 mil participantes numa só edição, sobretudo porque Lisboa não tem essa capacidade, como assinala o estudo.

“O crescimento do número de participantes indicado pela organização (um dos cenários do estudo) pode ficar limitado pela oferta hoteleira na Área Metropolitana de Lisboa. Segundo o INE, em 2017, esta oferta é de 80,4 mil camas, acrescida a esta a oferta em alojamento local, a qual deverá ser próxima desse número. Para que seja possível alojar o número de participantes previsto para 2028, será necessário um aumento significativo da oferta”, sugere ainda o mesmo estudo, feito em 2018 pelo Gabinete de Estratégia e Estudos, acrescentando um impacto direto de 74,2 milhões de euros em 2017.

“O estudo serviu para fundamentar por que o Estado poderia ou não apoiar este evento”, disse Manuel Caldeira Cabral, ex-ministro da Economia, em entrevista recente à rádio Observador. O apoio do Estado justificou-se como uma aposta estratégica de uma internacionalização da economia portuguesa e na atração de investimento estrangeiro. “Houve uma transformação e uma alteração estrutural no país”, disse o ex-ministro.

A Web Summit entrou assim na agenda política nacional com presença regular de ministros e com a apresentação de políticas como a Estratégia Nacional para Inovação e a Agenda Nacional para a Inteligência Artificial, esta última apresentada na décima edição pelo ministro-adjunto da Reforma do Estado, Gonçalo Matias.

“Estamos num momento decisivo: a IA já não é o futuro, está a transformar o mundo agora. Este é o nosso momento para imaginar o que um Estado pode ser — inteligente, dinâmico e centrado nas pessoas", declarou o governante no Centre Stage da cimeira.

Ao fim de dez edições, os números reais vão desde 53 mil visitantes, de 166 países, e 700 investidores, em 2016, até 71 386, de 157 países, e 1857 investidores, em 2025. “No ano passado, tivemos cerca de 1000. Este ano, temos 1857”, disse Paddy Cosgrave na conferência de imprensa no terceiro dia do evento.

Este ano, "há uma quantidade enorme de startups, especialmente nas áreas de IA e aprendizagem automática, não apenas a falar no palco, mas também startups em fase inicial a expor no exterior. De acordo com a Crunchbase, cerca de 200 das startups em fase inicial do ano passado, com os seus pequenos mostradores de um metro, angariaram quase 750 milhões em financiamento inicial. Parabéns para elas. Temos mais de 800 oradores, de todos os tipos de assuntos, de todas as partes do mundo. Acho que é provavelmente a nossa melhor programação de sempre”, congratulou o irlandês.

Dez anos de altos e baixos com algumas polémicas e controvérsia

Se o impacto económico aparenta, por um lado, ter sido positivo para a economia nacional (sobretudo a local), por outro, trouxe alguns momentos de caos à cidade. No aspeto positivo, a Web Summit colocou Lisboa no mapa dos grandes investidores e empreendedores tecnológicos. Poucos acreditavam que isso seria possível.

“Há dez anos, eu e a minha equipa sentimos que havia algo a acontecer em Lisboa. Na altura, alguns meios de comunicação social e as pessoas no Twitter não foram particularmente simpáticas sobre Lisboa”, disse Cosgrave, referindo-se aos empreendedores e investidores internacionais que não viam a capital portuguesa como um hub tecnológico. “Acho que nos últimos 10 anos, Lisboa, e não só, está completamente transformada”, acrescentou.

Há CEOs de empresas multimilionárias a viver em Lisboa. “Não sei se posso dizer, se tenho permissão para isso, mas fui almoçar no sábado com o CEO de uma empresa listada na NASDAQ, avaliada em cerca de cem mil milhões, cujos filhos estão agora na escola em Lisboa. O CEO está aqui, os CTO estão aqui e contratam engenheiros de topo, incluindo portugueses. É fantástico o número de unicórnios que se instalaram em Lisboa, é maior do que em Espanha”, acrescentou.

Os transportes e o acesso ao evento têm sido apontados como os aspetos negativos mais frequentes em todas as edições. Apesar de o Parque das Nações ser uma das regiões de Lisboa com maior intermodalidade — combina metro com comboio e autocarros —, a oferta não consegue dar resposta à afluência de público. Os acessos de carro também são complicados pelo trânsito, que é excessivo. Outro problema é a falta de alojamento com os hotéis — que aproveitam esta altura para inflacionar os preços da acomodação (criticado por Cosgrave) —, por não conseguirem atender a tantos pedidos.

O evento também tem se pautado por algumas polémicas nos últimos dez anos. Em 2017, a organização escolheu fazer um jantar para um grupo exclusivo no Panteão Nacional, que causou revolta, sobretudo nas redes sociais, por se tratar de um monumento nacional onde estão sepultadas algumas das figuras mais importantes da história de Portugal. Em 2018, convidou Marine Le Pen como principal oradora, mas o convite acabou retirado depois da polémica. Em 2020, o governo de António Costa foi fortemente criticado por pagar os 11 milhões de euros à organização, apesar de o evento ter sido 100 por cento remoto devido à pandemia. O CDS e o BE lideraram a contestação. Em 2023, os comentários de Paddy Cosgrave sobre a guerra Israel-Hamas ditaram o seu afastamento da organização executiva, acabando por regressar à posição de CEO quase seis meses depois.

E a mais recente polémica, em 2025, prende-se com a falta de slots para receber os jatos privados dos executivos convidados.

A organização da Web Summit enviou um aviso a informar que havia escassez de slots para jatos particulares no Aeroporto de Lisboa e nos mais pequenos próximos da capital e pediu aos convidados que viessem a Lisboa num voo comercial:

“Estas são circunstâncias fora do nosso controlo e pedimos desculpa por não termos podido fazer mais para garantir vagas. Recomendamos vivamente que voe num voo comercial para Lisboa. A Web Summit fica a apenas 15 minutos de carro do principal aeroporto de Lisboa”.

O anúncio caiu mal no governo do PSD, que acusou a organização de “excesso de linguagem”. O ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, disse não entender as reclamações e garantiu que só sete voos foram negados em Lisboa, pelo que "estranha" a posição da organização.

"Em 102 voos pedidos, só sete foram negados e foram negados por várias razões. Portanto, manifestamente foi, eu diria, por parte de um dos fundadores da Web Summit, um excesso de linguagem aquilo que transmitiu", afirmou o ministro em declarações à agência Lusa.

Questionado sobre o assunto, Cosgrave esclarece: “O trabalho dele é garantir que a infraestrutura esteja perfeita. O meu trabalho é conseguir que as melhores pessoas do mundo venham para Lisboa. Mas acho que este é um dos indicadores de algo interessante ou positivo”, desconversou.

"Estou bastante otimista no relacionamento com a China a longo prazo"

A Web Summit em Lisboa está garantida até 2028, o que vem depois é, hoje, uma incógnita.

No ano passado, Cosgrave disse que por ele a Web Summit Lisboa seria para todo o sempre. Contudo, esta décima edição apresenta alguns indicadores do período pós-2028.

Cosgrave fez referência a um megaevento para Portugal em 2029, que não é a Web Summit, mas escusou-se de elaborar, dizendo que não sabe de que se trata, quando confrontado pelos jornalistas. “Em 2029 estaremos numa nova situação, seja em Lisboa ou noutro lugar”, voltou a escusar-se.

No entanto, a edição deste ano trouxe uma novidade. A China Summit. Um prenúncio de um rumo ao Oriente?