Paco Cabezas: de Sevilha a Hollywood com um estilo próprio

Paco Cabezas é um dos realizadores mais prolíficos de Espanha. Este cineasta está por trás de séries como "Penny Dreadful", "The Umbrella Academy", "The Walking Dead: Daryl Dixon" e uma das séries mais vistas na Netflix: "Wednesday" (conhecida como "Miércoles" em Espanha e "Merlina" na América Latina).
O rapaz de Sevilha, que sonhava em fazer filmes, entrou em Hollywood com o seu próprio estilo audiovisual e a graciosidade com que mistura géneros que dão o seu toque de assinatura às produções em que participa. A Euronews entrevistou o cineasta que demonstrou que o sucesso no estrangeiro é um verdadeiro sonho.
Já conviveu com Tim Burton, Nicolas Cage, Anna Kendrick e Sam Rockwell, entre muitos outros, mas não perdeu a humildade de quem começou a escrever nos tempos livres, entre os turnos de trabalho. Recebeu-nos no centro de Madrid com o seu matcha na mão, a meio de uma pausa enquanto trabalha na edição da sua próxima série.
Embora Paco Cabezas trabalhe em Hollywood há anos, continua a realizar projetos em Espanha e desfruta de ambos os mundos. Nunca quis perder a ligação com a sua terra natal. Ele, que vê os dois mundos de muito perto, diz-nos que a indústria americana e a indústria espanhola estão hoje muito niveladas. Já não é preciso sintonizar nos Estados Unidos para ver produções de alto nível; este tipo de séries e filmes são criados em Espanha.
O realizador espanhol sublinha que trabalhar em produções americanas é como ir à Disneyland: "Está tudo construído, o cenário, tudo, chega-se lá e, de repente, dá por si a andar de um cenário para outro, mudando de mundo". Embora as produções espanholas tenham atingido um nível impensável há décadas atrás, trabalhar nos Estados Unidos continua a ser um filme completamente diferente.
Paco descreve-o perfeitamente: "Em Espanha, sou como o pai da criança e tenho de a criar, vestir e preocupar-me com todos os pormenores. Quando vou para os Estados Unidos, é como o 'tito', que leva os sobrinhos e as sobrinhas à Disneyland, a esse mundo maravilhoso construído onde vamos para nos divertirmos".
"Antes, ir à América era como um sítio maravilhoso. Agora as diferenças são técnicas, digamos, sobre a forma como se trabalha. Por exemplo, em 'Wednesday' tens muitos meios, em 'La novia gitana', em 'La nena', tenho menos meios, mas mais liberdade. Explica que a complexidade reside em encontrar o equilíbrio entre a liberdade criativa e os meios de que se dispõe.
Em "Wednesday", Paco teve a sorte de trabalhar lado a lado de Tim Burton. Apesar do que se possa pensar, Burton deu liberdade a Paco num dos projetos mais pessoais do cineasta americano, em que o mundo da família Addams é transferido para uma academia de adolescentes com poderes em que a comédia e o terror andam de mãos dadas.
O criador espanhol destaca a generosidade de Burton, que tem um estilo cinematográfico muito marcado e mais do que familiar a todos os amantes da Sétima Arte, na hora de criar o ambiente da Academia Nevermore e das pessoas que ambos utilizaram para contar os mistérios que rodeiam 'Wednesday', interpretada por Jenna Ortega.
Cabezas também acaba de lançar "The Walking Dead: Daryl Dixon", cuja temporada se centra num apocalipse zombie em Espanha. A crítica internacional desistiu desta nova série dos zombies mais famosos da televisão. Paco explica que em Espanha, por vezes,"levamo-nos demasiado a sério, não falamos do passado, da Guerra Civil, por isso é muito refrescante que dois americanos apareçam e peguem na Guerra Civil, em Franco e em mil referências a Espanha e as misturem num cocktail explosivo com zombies".
O cinema e as séries são um espelho da realidade em que vivemos, Paco refere que a ficção científica ou o terror sempre foram metáforas políticas para o que nos está a acontecer neste momento, como a complexa situação geopolítica em vários pontos quentes do planeta. É por isso que nos diz que "não há nada mais libertador do que colocar zombies à mistura e tentar refletir, mas também, de alguma forma, usar um catalisador para tentar curar, que de alguma forma a ficção nos cura".
Os zombies ou os monstros, diz-nos Paco Cabezas, aproximam-nos da morte sem termos de pagar um preço: "Como espectadores, queremos passar por essa experiência, sentir o que aconteceria se eu fosse devorado vivo ou sentir o que significa ter essa ameaça, mas sem ter de, obviamente, a viver de verdade". E é precisamente esse o sucesso do género: sentir a adrenalina, o medo, o terror, mas sem o viver realmente.
Um embaixador da cultura latina e de Espanha em Hollywood
Há alguns anos, os papéis dos atores latinos eram muito limitados. Os únicos papéis disponíveis eram os de traficantes de droga e bandidos, um cliché que demorou anos a ser eliminado e que, ainda hoje, vemos em algumas ficções.
Felizmente, este costume está a mudar graças a cineastas como Guillermo del Toro, os irmãos Muschietti ou o próprio Paco Cabezas, que impôs a sua marca na parte latina de "A Família Addams", dando ao patriarca um contexto hispânico. Paco teve um cuidado especial com as palavras trocadas em espanhol entre Gómez e "Wednesday", bem como com a música e a cultura latina mostradas no ecrã.
Porque a representação é importante e ver a nossa própria cultura numa série de sucesso mundial também nos ajuda a ter um sentimento de pertença e orgulho.
A chave do sucesso? Ser fiel a si próprio
Paco alcançou o seu objetivo: trabalhar em grandes produções internacionais e continuar a realizar em Espanha, mas o caminho não tem sido fácil. Se pudesse dar um conselho a alguém que aspira a trabalhar no turbulento mundo do cinema, diria algo que "é simples mas complicado: sê fiel a ti próprio".
Tem o exemplo perfeito, o seu primeiro filme, 'Carne de neón', não foi um grande sucesso: "Mario Casas não era visto como um ator sério. No entanto, por ter feito um filme arriscado, diferente, violento, estranho, sombrio, no Festival de Cinema de Tribeca encontrei um agente: o realizador de 'Penny Dreadful' tinha visto o filme e queria que eu participasse na temporada seguinte".
"O difícil é encontrar essa história, o seu estilo, num lugar onde estamos sobrelotados. Há demasiada informação, há demasiadas coisas a acontecer, mas penso que o segredo é ser fiel ao que temos dentro de nós e ter a capacidade de contar e de não parar por nada para contar essa história".
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