Partiu uma lenda: Brigitte Bardot morreu aos 91 anos
A atriz francesa Brigitte Bardot, ícone mundial do cinema, morreu na manhã deste domingo aos 91 anos.
Tornada mundialmente famosa aos 22 anos, em 1956, com o filme E Deus criou a mulher, do então marido Roger Vadim, Bardot tornar-se ia um símbolo da sensualidade feminina muitas vezes imitado, mas nunca igualado, ao longo das duas décadas seguintes, até se retirar dos ecrãs prematuramente, para se dedicar à causa da defesa dos animais, através da fundação que criou e leva o seu nome.
Foi a Fundação Brigitte Bardot a anunciar a morte da atriz este domingo, através de um comunicado. Bardot estava há mais de um mês hospitalizada na cidade de Toulon, no sul de França.
O presidente Emmanuel Macron lembrou Bardot, que foi modelo para a Marianne (efígie oficial da República Francesa), da seguinte forma, na plataforma X: Os seus filmes, a sua voz, a glória deslumbrante, as suas iniciais, as suas tristezas, a generosa paixão pelos animais, o rosto que se tornou Marianne, Brigitte Bardot encarnava uma vida de liberdade. Existência francesa, brilho universal. Ela tocava-nos. Choramos uma lenda do século".
Também o município de Saint-Tropez, cidade à beira do Mediterrâneo onde Bardot foi descoberta ainda adolescente e onde viveu praticamente toda a sua vida, na casa que batizou La Madrague, lembra a lenda. Através de uma publicação no Facebook, diz que Bardot "ficará para sempre associada à imagem da cidade, da qual foi a embaixadora mais brilhante".
O mito nasce nos anos 1950
Conhecida pelo enorme impacto no cinema na década de 1950, que perduraria nas duas décadas seguintes «BB», como era conhecida universalmente, tornou-se um ingrediente essencial da cultura francesa e rapidamente se tornou um ícone após o seu primeiro papel em Le Trou Normand (1952).
Da burguesia parisiense a Saint-Tropez, decidiu ser cantora e dançarina e foi escolhida como modelo aos 15 anos.
Mais dois filmes se seguiram em 1952. Por volta da mesma altura, casouse com o realizador Roger Vadim. Um ano depois, conquistou Hollywood e ganhou fama como «gata sexy».
Com o filme de 1956 E Deus Criou a Mulher, dirigida por Vadim, paira no ar um perfume de escândalo com a famosa e provocante cena da dança em cima da mesa.
O filme, que retrata Bardot como uma recém-casada entediada que se envolve com o cunhado, teve uma influência decisiva nos diretores da Nouvelle Vague Jean-Luc Godard e François Truffaut, e passou a simbolizar o hedonismo e a liberdade sexual das décadas seguintes.
O romance de Bardot fora das telas com o co-protagonista Jean-Louis Trintignant chocou ainda mais a nação. As fronteiras entre a vida pública e privada apagaram-se e Bardot transformou-se num prémio cobiçado pelos paparazzi.
Nunca se adaptou aos holofotes e culpou a atenção constante da imprensa pela tentativa de suicídio que ocorreu 10 meses após o nascimento de seu único filho, Nicolas. Os fotógrafos invadiram a sua casa duas semanas antes do parto para tirar uma foto de Bardot grávida: «É vergonhoso ter atuado tão mal», disse sobre os seus primeiros filmes: «Sofri muito no início. Fui tratada como alguém menos que nada.»
BB e os homens
Brigitte Bardot foi casada três vezes: Primeiro com Roger Vadim, de 1952 a 1957, mais tarde com o milionário e playboy alemão Gunter Sachs (1966-1969) e finalmente com Bernard d'Ormale, de 1992 até à morte deste, este ano. Mas foram muito mais os homens que passaram pela sua vida, de Trintignant a Serge Gainsbourg, pela mão de quem entrou no mundo da música, com temas como Harley Davidson ou Bonnie and Clyde.
Se Gainsbourg escreveu para ela o "hino" Initials BB, há uma outra canção que o cantor, poeta e compositor francês, conhecido pela irreverência e pelo ar blasé, escreveu a pensar em BB e chegou a gravar em dueto com ela, mas acabaria por ficar famosa noutra voz. Com medo do escândalo, Gunter Sachs impediu que a primeira versão de Je t'aime moi non plus, gravada em 1966, fosse editada. Gainsbourg acabaria por regravar a canção com a sua então mulher Jane Birkin em 1969, tornando-a mundialmente famosa. A versão original com a voz (e os gemidos) de Bardot só seria conhecida anos mais tarde:
Atuou num total de 28 filmes ao longo de duas décadas e tornou-se um símbolo da libertação sexual feminina.
Se os filmes em que entrou, de E Deus criou a Mulher a Se Don Juan Fosse uma Mulher (1973), serviram para afirmar o papel de BB como sex-symbol, pelo menos um deles foi muito mais do que isso e tornou-se também num marco indelével do cinema de autor: falamos de O Desprezo (Le Mépris), realizado em 1963 por Godard sob o sol de Capri.
«Nunca foi uma grande paixão minha», disse uma vez sobre o cinema. «Às vezes pode ser mortal. Marilyn (Monroe) morreu por causa disso.»
Bardot terminou a carreira cinematográfica e retirou-se para a sua villa em St. Tropez, aos 39 anos, em 1973, logo após Don Juan.
Ativista dos direitos dos animais
Acabada a carreira no cinema, começou uma nova, como defensora da causa animal. Viajou para o Ártico para denunciar o massacre de filhotes de foca; condenou o uso de animais em experiências laboratoriais e se opôs-se ao envio de macacos para o espaço, entre outras ações.
O seu ativismo não conhecia fronteiras. Instou a Coreia do Sul a proibir a venda de carne de cão e escreveu ao presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, por causa da captura de dois golfinhos por parte da marinha,
Atacou tradições centenárias, das touradas ao Palio, a famosa corrida de cavalos em Siena, e fez campanha em nome de lobos, coelhos, gatinhos e rolas.
«O homem é um predador insaciável», disse à Associated Press no seu 73.º aniversário, em 2007. «Não me importo com a minha glória passada. Isso não significa nada diante de um animal que sofre e não tem poder nem palavras para se defender.»
O ativismo rendeu-lhe o respeito dos compatriotas e, em 1985, recebeu a Legião de Honra, a mais alta condecoração da França. Em 1986, criou a fundação para a proteção dos animais que leva o seu nome.
Uma personalidade controversa
Se BB foi uma personalidade geralmente amada pelos franceses, os últimos anos de vida não deixaram de ser envoltos em alguma controvérsia.
Foi alvo de críticas quando a proteção dos animais descambou em alegado extremismo ou quando as opiniões políticas, por vezes associadas à extrema-direita, assumiram um tom muitas vezes considerado racista e xenófobo. Condenava frequentemente o fluxo de imigrantes para França, especialmente muçulmanos.
Foi condenada cinco vezes nos tribunais franceses por "incitamento ao ódio racial". Várias vezes, criticou a prática muçulmana de sacrificar o cordeiro na festa religiosa do Eid al-Adha.
«É verdade que às vezes me deixo levar, mas quando vejo como as coisas avançam lentamente, a angústia toma conta de mim», disse Bardot à AP quando questionada sobre as condenações por ódio racial e a oposição ao abate ritual muçulmano.
O casamento de Bardot em 1992 com o quarto marido, Bernard d'Ormale, ex-conselheiro do antigo líder da Frente Nacional, Jean-Marie Le Pen, contribuiu para a sua mudança política. Sobre o líder nacionalista, morto em janeiro deste ano, disse que era um «homem adorável e inteligente».
Em 2012, voltou a causar polémica ao escrever uma carta aberta de apoio a Marine Le Pen, líder do partido agora renomeado Rassemblement National e candidata às presidenciais francesas desse ano.
Em 2018, no auge do movimento #MeToo, Bardot disse numa entrevista que a maioria das atrizes que protestavam contra o assédio sexual na indústria cinematográfica eram «hipócritas» e «ridículas», porque muitas «provocavam os produtores para conseguir papéis».
Disse ainda que nunca foi vítima de assédio sexual e achava "charmoso" que alguém dissesse "que era bonita ou que tinha um belo rabo".
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