De França a Fátima a pé com um reboque: a incrível aventura de um luso-francês

Tudo começou quando o carro de José Serge de Freitas, um luso-francês de 45 anos, residente numa pequena localidade do departamento de Vosges, no nordeste de França, avariou: "Comecei a andar cada vez mais a pé e percebi que as caminhadas me ajudavam a refletir e a encontrar-me a mim mesmo", conta à Euronews.
Então, começou a fazer passeios cada vez mais longos. A situação familiar não estava fácil e obrigou-o a buscar reconforto: a mulher tinha-o deixado por um cliente do bar que ambos geriam e acabaram por vender.
Foi numa conversa com o irmão João que a ideia apareceu pela primeira vez: e se fizesse uma caminhada entre a sua casa na localidade de Champ-le-Duc e Fátima, em Portugal? Percorrer quase dois mil quilómetros a pé, além de parecer uma ideia louca e difícil de realizar, implica uma logística complicada: como é impossível guardar numa mochila tudo aquilo de que precisa para a viagem de vários meses, decidiu trazer consigo um reboque com uma tenda, roupa, mantimentos e vários objetos úteis. São cerca de 30 quilos que José Serge vem a puxar desde que começou a viagem, no dia 9 de março.
Esta quarta-feira, faz exatamente quatro meses que a viagem começou. Se tudo correr bem, a odisseia deverá terminar domingo, dia 13, em Fátima. Seguem-se alguns dias de descanso em Portugal com a nova companheira e com a irmã, residente em Beja. Quanto ao reboque, não o irá levar de volta e já tem destino: ficará exposto num museu em Fátima e será mostrado aos peregrinos nos festejos do 13 de maio, no próximo ano.
Depois de uma longa viagem por França e Espanha, a fronteira de Portugal foi finalmente transposta no dia 28 de junho.
Se a necessidade de introspeção foi o primeiro propósito da viagem, há outras razões para esta empreitada: uma demonstração de amor para com a sobrinha Luna, portadora de deficiência, e uma homenagem a todos os portugueses que fizeram o percurso inverso há várias décadas: "Quis homenagear todos aqueles portugueses que foram a salto para França nos anos 60, muitos deles a pé, muitos dos quais não conseguiram chegar ao destino", conta. Se a fé é o principal móbil de quem faz habitualmente a peregrição até Fátima, José Serge diz-se "crente, mas não praticante". No entanto, "reza todos os dias", sobretudo pela sobrinha, e reza muito enquanto caminha.
É através das redes sociais, sobretudo através da sua página no Facebook, que mantém o contacto com os seguidores, que o têm ajudado muito na viagem: "Todos os dias, recebo entre 600 e 1600 mensagens de seguidores", conta. É também graças a esta base de ajuda que a viagem se torna possível, já que muitos lhe oferecem água, mantimentos, ou um lugar para dormir. Ao longo da viagem, as noites vão variando entre as dormidas na tenda, em casa de pessoas que se oferecem para o acolher, locais públicos como ginásios ou, quando procura algum conforto extra ou passar um dia de repouso, hotéis e residenciais. Até agora, efetuou 83 etapas. No entanto, o voluntarismo das pessoas foi maior em França e em Portugal do que em Espanha, como conta no vídeo abaixo:
Uma das etapas mais duras aconteceu há poucos dias, quando dormiu num parque eólico perto da localidade de Estreito, no distrito de Castelo Branco: o caminho para chegar às torres eólicas era íngreme e de cascalho, o que tornou muito complicada a subida com o reboque. "Normalmente, faço cinco quilómetros numa hora, dessa vez demorei duas horas e meia para fazer dois quilómetros. Pensei que ia morrer", explica. A tudo isto junta-se o calor intenso que se tem feito sentir nos últimos dias: "Estou muito cansado", confessa.
No entanto, a aventura da subida até ao parque eólico acabou bem, com a GNR a oferecer-lhe água e ajuda e a Proteção Civil a levar-lhe uma refeição até à tenda.
O objetivo final está agora a poucos dias e algumas dezenas de quilómetros de distância. Com a chegada a Fátima, José Serge terá o tão desejado certificado dado pelo Santuário que comprova ter feito esta peregrinação. Uma viagem que junta cada vez mais fãs, mas há um que José Serge gostaria particularmente de atrair: "Gostaria que Cristiano Ronaldo, que é madeirense tal como os meus pais, visse o que estou a fazer", confessa à Euronews.
Talvez esta reportagem possa ajudar a levar a aventura de José Serge até aos ouvidos do craque do futebol. Quanto ao nosso caminhante, resta-nos desejar bom resto de viagem e força para o caminho que ainda falta percorrer.