Quem é o juiz que pode mandar Bolsonaro para a prisão?

Jair Bolsonaro enfrenta um julgamento histórico por uma alegada tentativa de golpe de Estado. O antigo presidente enfrenta o escrutínio público de um processo polémico e mediático, mas é a decisão de cinco pessoas específicas que irá determinar o seu futuro.
Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Flávio Dino e Cármen Lúcia são os juízes da 1.ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que irão ditar o veredito.
O conhecido e, também polémico, Alexandre de Moraes é relator de um dos casos mais mediáticos da sua carreira enquanto magistrado que já lhe valeu sanções políticas e económicas vindas dos Estados Unidos e até uma crise diplomática a envolver taxas aduaneiras no Brasil.
Um homem, aparentemente, sem medos: Jair Bolsonaro, Donald Trump, Elon Musk...são nomes que não fazem parte da lista de amigos do magistrado que, desde a sua estreia no STF, já teve nas mãos dezenas de grandes e polémicos casos judiciais, numa carreira aparentemente curta mas intimidante.
De procurador a ministro
Antes de ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF), aos 49 anos, Alexandre de Moraes teve uma carreira preenchida.
Licenciado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da Universidade de São Paulo em 1990, conseguiu o doutoramento dez anos depois, em Direito do Estado pela mesma universidade. É lá que dá aulas, sendo professor titular da Faculdade de Direito.
Em 1991 ingressa na carreira de procurador do Ministério Público e cerca de duas décadas depois chega mesmo a exercer advocacia, sendo sócio fundador de um escritório de advogados com o próprio nome. A carreira política surgiu naturalmente, iniciada em através do cargo secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo. Em 2014, o governador Geraldo Alckmin nomeou-o secretário de Segurança Pública do mesmo estado brasileiro.
A carreira pública do juiz sofre o maior impulso em 2016, com a presidência interina de Michel Temer, em resultado do impeachment de Dilma Rousseff, sendo nomeado para o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública. Um ano mais tarde chega ao Supremo Tribunal Federal, ocupando o lugar do ministro Teori Zavascki, que morreu de forma inesperada na sequência de um acidente aéreo.
A nomeação foi questionada por críticos da oposição ao governo de Temer, uma vez que as ligações de Moraes ao Partido da Social Democracia Brasileira, do qual foi filiado, poderiam iniciar uma escolha político-partidária.
Inquérito das Fake News
A carreira no STF passava despercebida até ao ano de 2019, quando foi escolhido para relator do célebre Inquérito das Fake News. O caso foi polémico na altura, por ter sido aberto sem pedido prévio do Ministério Público, com base no artigo 43 do regimento interno daquele tribunal, que o autoriza a investigar crimes ocorridos nas suas dependências ou relacionados com as suas atividades.
A então chefe da Procuradoria-geral da República, Raquel Dodge, chegou a pedir que o inquérito fosse arquivado, algo que foi recusado.
O processo tinha o objetivo de apurar notícias falsas, ameaças e ofensas dirigidas aos ministros do STF e respetivos familiares e para combater o alegado discurso de ódio e ataques contra o tribunal. Dado o seu currículo, Moraes, nomeado diretamente, era visto como um especialista em segurança pública e, por isso, o homem certo para o caso que originou medidas duras como o bloqueio de contas nas redes sociais (Twitter, Facebook, Instagram, WhatsApp), buscas e apreensões em vários estados brasileiros e a censura de publicações, inclusive de órgãos de imprensa como a Revista Crusoé e O Antagonista em 2019, decisões que originaram críticas por órgãos de defesa da liberdade de imprensa e de expressão.
É por esta altura que começam as pequenas altercações verbais de Moraes com Jair Bolsonaro, que começou a acusar o juiz de censura e perseguição política.
Após este caso, outros inquéritos foram abertos e mantidos no gabinete de Moraes, alguns deles ligados ao antigo presidente brasileiro que chegou a ser associado, também, ao inquérito das Fake News.
Duelo político com Bolsonaro
Em agosto de 2021, Jair Bolsonaro fez mesmo o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes no Senado Federal. No pedido, o então presidente brasileiro solicitou a destituição do cargo de juiz do Supremo Tribunal Federal e a inabilitação de Moraes para o exercício de função pública durante oito anos. Uma decisão motivada pelas decisões judiciais de Alexandre de Moraes contra alguns políticos aliados.
Foi a primeira vez que um presidente da República brasileiro pediu o impeachment de um ministro - como são chamados no Brasil - do Supremo. Um pedido rapidamente recusado presidente do Senado Federal que o considerou improcedente por aspetos jurídicos e políticos.
Moraes foi escolhido como presidente do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) a 14 de junho de 2022 - cargo que acumulou até 2024. Nessa altura, as relações já desencontradas com Jair Bolsonaro pioram ainda mais.
Na tomada de posse, o juiz prometeu eleições limpas e seguras no país. Por várias vezes, Jair Bolsonaro questionou o sistema eleitoral e a utilização de urnas eletrónicas no país, chegando a acusar Alexandre de Moraes de parcialidade.
Os casos judiciais a envolverem Bolsonaro foram crescendo, a grande maioria sob a alçada de Alexandre de Moraes, nomeadamente as acusações relacionadas com os ataques antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Centenas de bolsonaristas radicais invadiram nessa altura as sedes dos Três Poderes em Brasília, poucos dias após a tomada de Lula da Silva e a derrota confirmada de Bolsonaro.
Tendo por base a autorização do STF, foi iniciada pela Polícia Federal brasileira a "Operação Contragolpe", para apurar os eventuais crimes relacionados com a tentativa de golpe de Estado que visava impedir a posse de Lula - a investigação que originaria o julgamento que tem início esta segunda-feira.
Foi Alexandre de Moraes, que supervisiona o processo, quem decretou a prisão domiciliária para o ex-presidente, afirmando que este violou as medidas cautelares que lhe foram impostas ao espalhar conteúdo através dos três filhos com atividade política.
Braço de ferro com Trump
Cabeça rapada e, na maioria das vezes, cara de poucos amigos. Alexandre de Moraes apresenta-se como uma figura imponente.
O duelo com Bolsonaro vai longo e não se espera que abrande até, pelo menos, dia 12 de setembro, altura em que será conhecido o veredito do antigo presidente e dos restantes arguidos do processo. Mas esta não é a única frente de batalha travada por Moraes, que vai mesmo além-fronteiras.
A batalha jurídica com Bolsonaro já lhe valeu inimizade com Donald Trump e sanções políticas do governo norte-americano: em julho deste ano, o governo dos Estados Unidos revogou o visto de entrada a Alexandre de Moraes assim como de todos os aliados do juiz e familiares, que ficaram assim impedidos de entrar nos EUA.
O presidente dos EUA “deixou claro que a sua administração responsabilizará os estrangeiros responsáveis pela censura de expressões protegidas nos Estados Unidos. A caça às bruxas política do Juiz do Supremo Tribunal Federal do Brasil Alexandre de Moraes contra Jair Bolsonaro criou um complexo de perseguição e censura tão abrangente que não só viola os direitos básicos dos brasileiros, mas também se estende para além das costas do Brasil para atingir os americanos”, escreveu Marco Rubio, numa publicação na rede X.
Mais tarde, e numa nova escalada de tensões diplomáticas, os EUA impuseram a Lei Magnitsky ao juiz do Supremo Tribunal Federal do Brasil, dispositivo que impõe sanções económicas por violações graves contra os direitos humanos ou corrupção. As sanções bloqueiam os possíveis bens e propriedades de Alexandre de Moraes nos Estados Unidos bem como impossibilitam qualquer transação entre cidadãos norte-americanos com o juiz.
A disputa judicial a envolver Jair Bolsonaro levou mesmo o presidente norte-americano a impor um aumento de 50% nos impostos de importação sobre produtos brasileiros. O governo de Lula da Silva diz até que espera novas sanções por parte de Donald Trump após o julgamento, tendo o país dado início ao processo de forma a poder aplicar a Lei da Reciprocidade, caso tal aconteça.
Apesar das sanções e pressão vinda dos Estados Unidos, Alexandre de Moraes não dá sinais de abrandar, acreditando que o desenrolar normal do processo irá ser suficiente para o país reverter as medidas que lhe foram aplicadas sem ser necessário tomar outros avanços judiciais.
"Uma vez que as informações corretas tenham sido transmitidas, como está a ser feito agora, e as informações documentadas cheguem às autoridades dos EUA, acredito que nem será necessária qualquer ação legal para reverter (as sanções). Acredito que o próprio poder executivo dos EUA, o presidente, irá revertê-las", disse Moraes numa entrevista à agência Reuters, em agosto.
"É possível recorrer judicialmente e ainda não encontrei nenhum advogado ou académico norte-americano ou brasileiro que duvide que os tribunais irão anular a decisão. Mas, neste momento, optei por esperar. É a minha escolha. É uma questão diplomática para o país", explicou na mesma entrevista.
Polémica com Musk e a campanha contra as plataformas digitais
Jair Bolsonaro, Donald Trump, fica apenas a faltar um nome para completar o trio de inimigos públicos de Moraes: Elon Musk. O homem mais rico do mundo foi desafiado pelo juiz brasileiro que alcançou a fama internacional quando, em agosto de 2024, suspendeu o X e determinou o bloqueio completo da aplicação no Brasil.
A decisão foi na altura justificada pelo magistrado pelo incumprimento reiterado de ordens judiciais e pela ausência de representante legal da plataforma no país. Foi também imposta multa diária para usuários que utilizassem aquela rede social através de mecanismos como uma VPN.
Apesar da contestação, Elon Musk acabou por ceder às exigências legais e a plataforma voltou a estar disponível em solo brasileiro, em outubro do ano passado.
Antes, Moraes já tinha incluído Musk num inquérito sobre milícias digitais e abriu outra investigação para apurar possíveis crimes de obstrução à Justiça, organização criminosa e incitação ao crime. Elon Musk falou na altura de "censura agressiva" por parte do juiz brasileiro.
Além do X, Alexandre de Moraes já tinha virado atenções para a aplicação Telegram. O magistrado tentou, em março de 2022, bloquear o Telegram em território brasileiro alegando que plataforma era usada para disseminação de desinformação e ativismo bolsonarista, especialmente durante a pandemia. A decisão acabaria por ser revogada logo depois. Em 2023, houve nova tentativa de bloqueio relacionada com a falta de cooperação do Telegram com investigações a grupos neonazis.
Alexandre de Moraes tem vindo a destacar-se por decisões unilaterais em temas sensíveis: investigações ligadas às redes sociais, disseminação de informações falsas e liberdade de expressão. O ar autoritário devolve-nos uma figura que não é consensual, mas que, aparentemente, também não se importa com isso.
Quem desenvolve um processo que poderá levar à prisão um ex-presidente de uma nação terá, certamente inimigos, na mesma proporção que terá também apoiantes, que sustentam a narrativa de proteção da democracia. Do outro lado, Alexandre de Moraes terá sempre os críticos que o acusam de autoritarismo e ativismo judicial.
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