Primeiro-ministro da Moldova acusa Rússia de utilizar eleições para "tomar o poder"

O primeiro-ministro da Moldova, Dorin Recean, advertiu na quarta-feira que a Rússia está a gastar centenas de milhões de euros para "tomar o poder" numa eleição parlamentar crucial que pode fazer descarrilar o percurso do país em direção à União Europeia.

As declarações de Recean surgiram dias antes das eleições parlamentares de domingo, altura em que os moldavos vão votar para escolher uma nova legislatura de 101 lugares, num escrutínio que muitos consideram ser uma escolha entre o Leste e o Oeste.

"A República da Moldova está em campanha eleitoral. A Federação Russa também está em campanha eleitoral", disse o primeiro-ministro num discurso após uma sessão do governo.

"Só que nós estamos a fazer campanha no nosso país e a Federação Russa não quer fazer campanha no seu próprio país, mas no nosso país."

Recean acusou o Kremlin de tentar "tomar o poder em Chișinău, violando a vontade soberana" da população moldava.

"Esta não é uma batalha eleitoral comum", disse. "É um cerco ao nosso país".

As alegações de Recean

O primeiro-ministro descreveu várias formas pelas quais a Rússia está, alegadamente, a tentar assumir o controlo da Moldova e diminuir o apoio ao Partido de Ação e Solidariedade (PAS), pró-europeu, que governa o país.

Este partido obteve uma clara maioria nas eleições de 2021, mas corre o risco de a perder no domingo, não havendo outras alternativas pró-europeias viáveis no escrutínio.

Entre elas contam-se a alegada orquestração de um esquema de compra de votos em grande escala, a realização de mais de mil ciberataques a infraestruturas governamentais críticas até agora este ano, um plano para incitar tumultos no dia da votação e uma vasta campanha de desinformação em linha para influenciar os eleitores.

No entanto, Moscovo tem negado repetidamente a sua ingerência nos assuntos internos da Moldova.

As declarações de Recean surgiram um dia depois de o Serviço de Informações Externas da Rússia (SVR) ter alegado que os políticos europeus estavam a tentar garantir que a Moldova seguisse as suas próprias "políticas russofóbicas".

A mudança geopolítica da Moldova para oeste nos últimos anos irritou Moscovo e as tensões entre os dois países azedaram significativamente.

O país foi uma república soviética até à proclamação da independência em 1991.

Na sequência da invasão total da Ucrânia pela Rússia em 2022, a Moldova candidatou-se à adesão à UE, tendo-lhe sido concedido o estatuto de país candidato nesse ano. Bruxelas aceitou abrir as negociações de adesão no ano passado.

Desde então, as autoridades moldavas acusaram a Rússia de conduzir uma guerra híbrida para tentar fazer descarrilar o caminho do país para a UE, com interferência nas eleições, financiamento ilícito a partidos pró-russos e vastas campanhas de desinformação junto dos eleitores antes das eleições.

Advertência de Zelenskyy

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskyy, afirmou na Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque, que a Moldova está a defender-se da interferência russa e que os seus aliados ocidentais devem reforçar o seu apoio.

"Já perdemos a Geórgia na Europa. A Geórgia tornou-se dependente da Rússia", afirmou Zelenskyy.

"A Europa não se pode dar ao luxo de perder também a Moldova. A União Europeia deve prestar apoio financeiro e energético à Moldova".

Zelenskyy referia-se a um anúncio do primeiro-ministro da Geórgia, Irakli Kobakhidze, que afirmou em novembro que o país iria suspender o processo de adesão à UE até 2028, depois de o Parlamento Europeu ter condenado as eleições realizadas em outubro como não sendo livres nem justas.

Os críticos do partido de Kobakhidze, o Sonho Georgiano, acusam-no de se aproximar de Moscovo, enquanto a UE manifestou a sua preocupação com o retrocesso democrático, as violações da lei eleitoral e a má utilização das instituições do Estado.

"É muito importante recordar como o mundo ignorou a necessidade de ajudar a Geórgia após o ataque russo. Perdemos esse momento. Não custará muito à Europa apoiar a Moldova, mas não o fazer terá um preço muito mais elevado", disse Zelenskyy.

O presidente ucraniano referia-se à invasão russa da Geórgia em 2008, lançada por Moscovo depois de ter acusado falsamente Tbilisi de ter cometido genocídio na região separatista da Ossétia do Sul.

"Não devemos esquecer a proteção dos direitos das pessoas e dos direitos das nações nas regiões onde estes direitos estão ameaçados. A Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos do Homem devem ser aplicadas em todo o lado", afirmou Zelenskyy.

Oligarca pró-russo acusado de ingerência

Uma figura-chave na alegada campanha para desestabilizar a Moldova é o oligarca pró-russo Ilan Shor, que foi condenado em 2023 por fraude e branqueamento de capitais num caso de mil milhões de dólares (850 000 euros) que desapareceram de bancos moldavos em 2014.

"Há provas, incluindo escutas telefónicas, que provam que a compra de votos é financiada pela Federação Russa", disse Recean.

"O instrumento é o grupo criminoso Shor, e os beneficiários são vários concorrentes eleitorais."

Antes das eleições, as autoridades moldavas efetuaram centenas de buscas e detiveram dezenas de suspeitos.

Só esta semana, 74 pessoas foram detidas durante 250 rusgas no âmbito de uma investigação sobre um alegado plano apoiado pela Rússia para incitar "motins em massa" e desestabilizar o país.

Uma pessoa foi também detida devido ao financiamento de um partido político alegadamente ligado à Rússia através de criptomoedas.

"A crescente evidência das acções subversivas da Rússia está a aumentar a preocupação da sociedade. Uma coisa vos garanto: o Estado da República da Moldova está a resistir", afirmou Recean.

"Caros cidadãos, a batalha final está a ser travada pelo futuro do nosso país. "E peço-vos que participem com um voto honesto".

Bloco amigo da Rússia realiza comício

Numa manifestação organizada na quarta-feira pelo Bloco Eleitoral Patriótico (BEP), da oposição amiga da Rússia, em Chișinău, dezenas de pessoas gritaram "Abaixo o PAS" e "Abaixo Maia Sandu", referindo-se à presidente pró-ocidental da Moldova.

O BEP é composto por um grupo de partidos políticos e fez campanha prometendo boas relações com a UE e "normalizando" os laços com a Rússia.

Utilizou uma retórica que coloca a Moldova em primeiro lugar, como a defesa do interesse nacional através do apoio à agricultura local e da proteção do emprego.

O evento de quarta-feira foi anunciado como um "comício pela paz".

"A neutralidade é a garantia de segurança para nós", disse a candidata independente Nichita Romenschi.

"A Moldova deve ter boas relações com toda a gente, com a UE e com a Rússia. Queremos que o governo tenha um rosto humano e que as políticas sejam direcionadas para a qualidade das pessoas simples."

Grigore Novac, deputado do Partido Socialista, disse que "absolutamente ninguém deve intervir no processo eleitoral" na Moldova.