Manifestantes pedem a demissão do governador do Rio de Janeiro depois da operação policial
Moradores, políticos, ativistas, mães enlutadas que perderam os seus filhos em operações anteriores e pessoas de outros bairros do Rio reuniram-se para expressar a sua fúria na Vila Cruzeiro, parte do complexo de favelas da Penha, onde dias antes os moradores expuseram dezenas de corpos que haviam recolhido de uma área verde após a operação policial que fez centenas de mortos e dezenas de detidos.
Pelo menos 121 pessoas foram mortas na operação de terça-feira, incluindo quatro polícias, segundo a polícia. A Defensoria Pública do Rio afirma que 132 pessoas morreram.
“Covarde, terrorista, assassino! As mãos dele estão sujas de sangue”, disse Anne Caroline dos Santos, 30 anos, referindo-se ao governador Castro, aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro e opositor do presidente Lula da Silva.
Castro acusou o governo federal de abandonar o Rio na luta contra o crime organizado, uma alegação que o governo Lula refutou.
Anne veio da maior favela do Brasil, a Rocinha, na zona sul do Rio, para expressar a sua indignação. Como muitos outros manifestantes, acusou as forças da lei de tortura e de execuções sumárias. "As mães estão agora a lutar para recuperar os corpos dos seus filhos e enterrá-los", disse, acrescentando que tinha perdido uma amiga na operação.
Muitas lojas reabriram desde o início desta semana, mas ainda havia sinais dos recentes acontecimentos nas ruas, incluindo carros queimados usados como barricadas contra a entrada da polícia no bairro de baixa renda.
Muitos vestiam branco, o que, segundo um manifestante, simbolizava o seu desejo de paz, com algumas camisetas estampadas com mãos vermelhas. Outros seguravam cartazes com os dizeres: "parem de nos matar" ou usavam autocolantes com os dizeres "chega de massacres".
“É uma vergonha para o Brasil”, disse Leandro Santiago, 44 anos, que mora na Vila Cruzeiro e ganha a vida com a sua mota, dando boleias e fazendo entregas. “Nada justifica isso.”
A operação realizada na terça-feira, com cerca de 2.500 policiais e soldados, teve como alvo o famoso gangue Comando Vermelho nas favelas do Complexo do Alemão e do Complexo da Penha. Os objetivos declarados da operação eram capturar líderes e limitar a expansão territorial do bando, que aumentou o seu controlo sobre as favelas nos últimos anos, mas também se espalhou por todo o Brasil, incluindo a floresta amazónica.
A operação policial provocou tiroteios e outras retaliações por parte dos membros do gangue, causando cenas de caos por toda a cidade.
Castro disse na terça-feira que o Rio estava em guerra contra o "narcoterrorismo", um termo que ecoava a administração Trump na sua campanha contra o contrabando de drogas na América Latina. E considerou a operação um sucesso.
O governo estadual afirmou que os mortos eram criminosos que resistiram à polícia.
Mas o número de mortos, o maior já registado em uma operação policial no Rio, provocou condenação por parte de grupos de direitos humanos e da ONU, além de intenso escrutínio por parte das autoridades. O Supremo Tribunal Federal, os promotores e os legisladores ordenaram que Castro fornecesse informações detalhadas sobre a operação.
O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, marcou uma audiência com o governador do estado e os chefes da polícia militar e da civil do Rio para o dia 3 de novembro.
Grande parte da fúria em Vila Cruzeiro na sexta-feira foi dirigida a Castro, com manifestantes a chamá-lo de "assassino" e a exigir a sua demissão ou até que fosse enviado para a prisão.
“O governador disse que estava a realizar essa operação para combater o tráfico de drogas. Mas precisamos sufocar quem está a financiar isso. Precisamos de políticas que busquem combater a corrupção”, disse Mônica Benício, vereadora local e viúva da vereadora assassinada Marielle Franco.
“Assassinar jovens nas favelas não é política pública, é um massacre”, acrescentou.
Enquanto alguns no Brasil, particularmente eleitores e políticos de direita, aplaudiram a operação contra o bando fortemente armado, outros questionaram se ela alcançaria resultados duradouros e argumentaram que muitos dos mortos eram membros de baixo escalão e facilmente substituíveis.
Na sexta-feira, o governo estadual informou que, dos 99 suspeitos identificados até o momento, 42 tinham mandados de prisão pendentes e pelo menos 78 tinham antecedentes criminais extensos. Mas nenhum foi indiciado pelo Ministério Público até ao momento.
No protesto, muitos condenaram o estado em que os corpos foram encontrados, com pelo menos um decapitado, enquanto outros teriam sido encontrados com ferimentos perfurantes ou amarrados.
Adriana Miranda, uma advogada de 48 anos que participou na manifestação de sexta-feira, disse que mesmo que os jovens mortos fossem suspeitos de participar no crime organizado, eles ainda tinham direitos.
"As suspeitas precisam de ser investigadas. Há todo um procedimento estabelecido no Código Penal e no Código de Processo Penal que deve ser seguido", declarou. "A Constituição garante os direitos de todos".
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