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O reconhecimento da Palestina é apenas simbólico? Quais as implicações para a diplomacia?

• Sep 22, 2025, 2:01 PM
10 min de lecture
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Quase dois anos após o início da guerra em Gaza, pressionados pela opinião pública e pelas constantes denúncias de violação dos direitos humanos por parte de Israel, o Reino Unido, o Canadá, a Austrália e Portugal reconheceram formalmente o Estado da Palestina este domingo.

O reconhecimento da Palestina é, acima de tudo, um ato simbólico e uma mensagem para Israel - mas também existem algumas implicações práticas. O que é que está em causa?

O que é um Estado?

Os critérios para a constituição de um Estado foram estabelecidos num tratado internacional em 1933. Um Estado tem de ter uma população permanente, fronteiras territoriais definidas, um governo efetivo e uma organização que garanta os direitos fundamentais e a separação de poderes.

A Palestina é um Estado que existe e não existe. Apesar de ter uma população permanente e um orgão que administra parte da Cisjordânia e representa os palestinianos, não tem fronteiras internacionalmente acordadas, nem capital, nem exército.

Mas o processo de reconhecimento de um Estado em nada tem a ver com os critérios para a constituição de um Estado. Segundo Tiago André Lopes, professor de Relações Internacionais na Universidade Lusíada do Porto, quando um Estado reconhece um território como um Estado, "esse reconhecimento existe por efeitos jurídicos, mas também por efeitos políticos".

"Há Estados que são reconhecidos para causar efeitos políticos e efeitos diplomáticos e efeitos jurídicos, que não têm nem fronteira, nem governo de forma clara, muitas vezes não se sabe se são viáveis e sustentáveis. São duas dimensões diferentes", explica.

"O reconhecimento é um dos poderes soberanos dos Estados, que é um poder unilateral. Qualquer Estado do mundo pode reconhecer e também pode desreconhecer qualquer Estado do mundo. No caso da Palestina, o território existe. A resolução 242 de 1967 do Conselho de Segurança da ONU é muito clara em relação ao território que irá compor o Estado da Palestina. Portanto, o território existe, está é, neste momento, sobre ocupação", acrescenta o especialista.

As fronteiras, embora contestadas, são amplamente entendidas como estando em territórios ocupados por Israel, incluindo a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.

Quanto à Autoridade Palestiniana, esta foi criada como um órgão provisório de autogoverno, na sequência dos acordos de paz da década de 1990, e foi autorizada pela Organização para a Libertação da Palestina, que representa os palestinianos internacionalmente. Mas, devido à ocupação militar de Israel, a Autoridade Palestiniana não tem a capacidade de governar independentemente o seu território nem a sua população.

Quem reconhece a Palestina como um Estado?

O Estado da Palestina é atualmente reconhecido por 157 dos 193 Estados-membros das Nações Unidas. Na ONU, a Palestina tem o estatuto de "Estado observador permanente", o que lhe permite participar, mas sem direito a voto.

Com França também a prometer o reconhecimento, que deverá ser confirmado com um discurso esta tarde do presidente francês, Emmanuel Macron, em Nova Iorque, por ocasião da abertura da Assembleia-Geral da ONU, a Palestina irá em breve contar com o apoio de quatro dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (os outros três são a China, Rússia e Reino Unido) - estes são membros com poder de veto sobre qualquer resolução substantiva do Conselho, incluindo a admissão de novos Estados-membros.

Isso deixará os Estados Unidos, que é o aliado mais forte de Israel, em minoria e também mais isolado.

O reconhecimento tem efeitos práticos ou será mais um instrumento de pressão sobre Israel?

Dado o seu estatuto de quase-Estado, o reconhecimento da Palestina é inevitavelmente mais simbólico. Mas isso não quer dizer que não haja efeitos práticos, nomeadamente ao nível da atribuição de vistos.

"Portugal até aqui para emitir um visto para um palestiniano, teria de o fazer via Israel, porque não havia outra forma", salienta Tiago André Lopes. Daqui para a frente, via a Autoridade Palestiniana, que é o representante reconhecido internacionalmente, Portugal pode ter um caminho direto para questões tão simples como o caso do jovem palestiniano de 23 anos impedido de iniciar os estudos em Portugal. Para obter o visto de estudante, Tarek Al-Farra teria de se dirigir a Ramallah, na Cisjordânia – mas o jovem não consegue sair da Faixa de Gaza.

Mas há também consequências ao nível do direito internacional: "A partir do momento que nós reconhecemos a Palestina, à base da Resolução 242, o território da Palestina passa a ser considerado como território sob ocupação e coisas tão simples como se Israel tentar reclamar em ações violentas em território que não é seu, o direito, por exemplo, à legítima defesa, é mais fácil a Portugal dizer que esse direito não se aplica", oferece como exemplo o professor de Relações Internacionais.

Isto porque em território ocupado há também o direito à resistência, consagrado no direito internacional.

Além disso, o reconhecimento da Palestina é ainda um avanço significativo no que se refere ao estabelecimento de relações diplomáticas com a Autoridade Palestiniana.

"Acima de tudo, porque em julho deste ano, na conferência da ONU em Nova Iorque, a Autoridade Palestiniana comprometeu-se a um processo de reforma e eleições. Claro que as eleições estarão a acontecer num momento posterior ao que está a acontecer agora. E os Estados que estão agora a reconhecer a autoridade palestiniana comprometeram-se a ajudá-la nesse processo de reforma", recorda o professor universitário.

Isto significa que Portugal assume a disponibilidade para, eventualmente, auxiliar a Autoridade Palestiniana, juntamente com os parceiros internacionais, nesse processo de relegitimação e redemocratização. "Ao reconhecer, já o podemos fazer diretamente com a Palestina. Até aqui, nós não podíamos fazer diretamente porque não reconhecíamos essa autoridade", frisa o especialista em Relações Internacionais.

O que pode acontecer às relações bilaterais com Israel?

Em reação à posição tomada pela comunidade internacional, o primeiro-ministro de Israel disse que reconhecer o Estado palestiniano é uma "enorme recompensa ao terrorismo". Benjamin Netanyahu garantiu mesmo que isso não irá acontecer.

"À partida, se Israel decidir entrar por uma via de resposta, vai haver aqui dois níveis. O nível um vai haver, de certeza, uma condenação verbal, política, de Netanyahu, de Bezalel Smotrich, de Israel Katz. Portanto, os ministros mais radicais vão claramente condenar, têm estado a fazê-lo nas últimas horas. Depois, se Israel quiser suspender ou modificar a natureza das relações diplomáticas, pode fazê-lo. Mas, não esquecendo que vigora o princípio da reciprocidade", antevê Tiago André Lopes, não descartando uma revisão das relações bilaterais com Israel, nomeadamente ao nível dos acordos comerciais e de segurança.

No caso de Portugal, o peso das relações económicas com Israel é muito reduzido, representando apenas pouco mais de 2% na balança comercial portuguesa. Ou seja, a capacidade israelita de fazer pressão política sobre o Governo português é muito reduzida.

Mas as implicações do reconhecimento da Palestina podem ainda levar a um momento de arrefecimento das relações diplomáticas. "Pode até haver a suspensão de vistos, retirarem o visto para visitar Israel a certas figuras políticas que se entendam estar por trás do processo de reconhecimento. Não ficaria surpreso se isso acontecesse", admite o professor universitário, ressalvando, contudo, que isso também tem o efeito perverso, que é "isolar ainda mais Israel".

Há um outro sentido prático nisto tudo, considerando que o Tribunal Nacional de Justiça ainda se vai poder pronunciar sobre o caso levantado pela África do Sul que alega que Israel cometeu, e está a cometer, genocídio contra os palestinos na Faixa de Gaza.

"Quem não se posicionar pode incorrer eventualmente na ideia de cumplicidade com Israel. Quem mantiver relações económicas, enviando equipamento militar, como a Alemanha, ou os Países Baixos, corre o risco sério de vir a ser julgado por cumplicidade", sublinha Tiago André Lopes.

Política externa portuguesa numa fase mais assertiva?

O envolvimento português surge num momento em que a União Europeia procura reafirmar uma visão mais proativa na resolução do conflito no Médio Oriente e fortalecer o papel europeu como mediador na região. 

Ao alinhar-se com o crescente reconhecimento internacional da Palestina, Portugal também parece querer reforçar a sua posição no cenário global e adotar uma postura mais assertiva ao nível da política externa. Essa é também a opinião de Tiago André Lopes.

"Vai depender agora muito como é que Portugal se posiciona nas próximas coisas que estão para acontecer. Amanhã, quando a UEFA reunir para decidir se Israel continua ou não nas provas de futebol europeias, na votação convocada pelo Qatar, como é que Portugal vai votar? Será que pela primeira vez Portugal vota a favor da expulsão de Israel? Quando houver uma nova votação no Comité Olímpico Internacional, como é que Portugal vota? E, por exemplo, na EBU, quando for, em relação à participação de Israel na Eurovisão, como é que Portugal se vai posicionar? Vai juntar-se à Espanha e à Bélgica, que dizem que não pode acontecer?", equaciona o especialista em Relações Internacionais.


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