Bruxelas revela aguardada estratégia de defesa, sem definir novas opções de financiamento

O muito aguardado Livro Branco da Comissão Europeia sobre a Defesa prevê que os Estados-membros comecem a injetar centenas de milhares de milhões de euros no setor antes do final do ano, mas não apresenta oportunidades de financiamento inovadoras e comuns.
O Livro Branco, publicado na quarta-feira, retoma em linhas gerais a proposta ReArm Europe, apresentada pela Comissão há duas semanas, que prevê que os Estados-membros mobilizem até 800 mil milhões de euros para o setor da defesa nos próximos quatro anos, nomeadamente através da agregação de encomendas e da aquisição de equipamento em conjunto.
Kaja Kallas, a principal diplomata da UE, descreveu-a como "um momento crucial" para o bloco: "O valor que acrescentamos ao trabalharmos em conjunto não tem preço. Dá-nos uma vantagem competitiva sem igual em qualquer parte do mundo", disse aos jornalistas durante uma conferência de imprensa de apresentação do Livro Branco.
A principal vantagem financeira para os Estados-membros provém da ativação da cláusula de salvaguarda nacional prevista no Pacto de Estabilidade e Crescimento, que lhes permitirá desviar-se das rigorosas regras orçamentais da UE que limitam os níveis da dívida e do défice a 3% e 60% do PIB, respetivamente.
Um funcionário da Comissão Europeia, falando sob condição de anonimato, disse na quarta-feira de manhã que espera que todos os 27 Estados-membros solicitem a ativação da cláusula de salvaguarda antes ou em abril. A Comissão terá então de avaliar o pedido, mas "esperamos que o processo possa estar concluído antes das férias de verão", disse o funcionário.
A líder da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou anteriormente que, ao permitir que os Estados-membros afetem mais 1,5% do PIB à defesa durante os próximos quatro anos, estes deverão poder investir cerca de 650 mil milhões de euros na defesa.
No entanto, outro funcionário da UE, também sob condição de anonimato, afirmou que "o resultado final, esperamos, será ainda mais elevado".
Principais propostas
O acesso à outra principal opção de financiamento, o chamado instrumento SAFE, que a Comissão pretende criar urgentemente para angariar fundos nos mercados de capitais e emprestar até 150 mil milhões de euros aos Estados-membros, exigirá que os governos apresentem pedidos de financiamento no prazo de seis meses.
As capacidades que a Comissão identificou como áreas prioritárias incluem a defesa aérea e de mísseis, sistemas de artilharia, munições e mísseis, drones e sistemas contra drones, IA, Quantum, guerra cibernética e eletrónica e capacitadores estratégicos.
Um dos funcionários citados afirmou que as negociações entre os Estados-membros e a Comissão com base nestes planos deverão ser relativamente rápidas, uma vez que o dinheiro será concedido sob a forma de empréstimos que os Estados-membros terão de reembolsar e não de subvenções.
As outras três principais propostas delineadas no ReArm Europe para permitir que os Estados-membros invistam mais na defesa nos próximos quatro anos incluem o alargamento do mandato do Banco Europeu de Investimento, a possibilidade de utilização dos fundos de coesão em projectos de defesa e a possibilidade de utilização de poupanças e de financiamento privado no setor.
A única nova opção financeira delineada no Livro Branco é a possibilidade de os Estados-membros renunciarem ao IVA nas compras que efetuam conjuntamente com outros Estados-membros através do instrumento SAFE. No entanto, não é claro quanto dinheiro é que isso irá poupar aos Estados-membros.
Um dos responsáveis da Comissão defendeu a ausência de novas opções de financiamento, afirmando que a ReArm "já é uma resposta considerável à questão de saber como podemos ajudar os Estados-membros" e que o que foi incluído "não esgota necessariamente o âmbito deste debate".
Os líderes da UE deverão voltar a abordar a questão na cimeira de junho. Alguns, como o presidente francês Emmanuel Macron, apelaram, por exemplo, à utilização dos chamados Eurobonds, bem como à utilização de recursos próprios, como um imposto digital.
Macron, no entanto, parece ter conseguido uma grande vitória com a inclusão, pela Comissão, de uma preferência europeia para garantir o dinheiro através do sistema SAFE, que exigiria que o equipamento adquirido tivesse 65% do seu conteúdo proveniente da UE e que o fabricante da UE tivesse autoridade de conceção sobre os restantes 35%. O objetivo é garantir que nenhum país terceiro possa bloquear a utilização do equipamento no futuro.
As outras propostas emblemáticas do Livro Branco incluem uma proposta de Mecanismo Europeu de Vendas Militares para permitir que os Estados-membros agreguem a procura e adquiram conjuntamente equipamentos, já delineada por Von der Leyen na terça-feira, bem como um Roteiro Tecnológico do Armamento Europeu, para impulsionar o investimento em tecnologias disruptivas para fins militares, incluindo IA e Quantum.
Por último, a Comissão propõe a criação de reservas estratégicas e de grupos de preparação industrial para a defesa. Isto será facilitado através do regulamento do Programa Europeu para a Indústria da Defesa (EDIP), há muito aguardado, que deverá incluir a possibilidade de apoiar financeiramente a constituição de reservas, de acordo com um dos funcionários da UE que falou sob condição de anonimato.
O Parlamento Europeu afirmou, na semana passada, que tenciona acelerar a adoção do regulamento.
O objetivo da constituição de reservas de capacidades militares, segundo um funcionário da Comissão Europeia, é que "queremos ser mais ágeis e capazes de responder a qualquer crise".
O comissário europeu da Defesa, Andrius Kubilius, que falou ao lado de Kallas, disse aos jornalistas que o Livro Branco é "o início do caminho e não é um caminho fácil" e que a prioridade do executivo da UE é agora "implementação, implementação, implementação": "Putin não se deixará dissuadir se lhe lermos o Livro Branco. Será dissuadido se passarmos o Livro Branco à ação e o utilizarmos para construir verdadeiros drones, tanques e artilharia para a nossa defesa", afirmou.
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