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"A Europa em primeiro lugar": Berlim aposta na indústria de defesa europeia em vez das armas americanas

• Sep 28, 2025, 9:37 AM
14 min de lecture
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Em maio, o chanceler federal Friedrich Merz (CDU) declarou que a Bundeswehr deverá tornar-se a "força armada convencional mais forte da Europa". O governo tem, assim, um duplo desafio: colmatar a falta de pessoal através de um novo serviço militar e, ao mesmo tempo, equipar rapidamente as tropas com material moderno.

"Comprar europeu"

Segundo o Politico, o Governo alemão está a trabalhar num plano global de armamento e aquisições no valor de 83 mil milhões de euros. A maior parte das encomendas deverá ser feita a fabricantes europeus; apenas cerca de oito por cento deverão ser comprados nos EUA. De acordo com informações do Politico, o Governo alemão prevê um total de 154 grandes aquisições no sector da defesa entre setembro de 2025 e dezembro de 2026.

A dependência da Europa em relação ao equipamento de defesa americano aumentou significativamente nos últimos anos. De acordo com o instituto de investigação sobre a paz Sipri, sediado em Estocolmo, as importações de armas dos EUA para a Europa - incluindo a Ucrânia - mais do que triplicaram entre 2020 e 2024, em comparação com os cinco anos anteriores.

Pela primeira vez em duas décadas, a maior parte das exportações de armas dos EUA foi para a Europa: a quota aumentou de 13% (2015-2019) para 35% (2020-2024). Globalmente, os Estados europeus da NATO duplicaram as suas importações de armas durante este período, com dois terços provenientes dos Estados Unidos.

A Alemanha registou um aumento particularmente drástico: as importações de armas aumentaram 334 por cento, cerca de 70 por cento das quais são provenientes dos EUA.

Os EUA também continuaram a alargar o seu papel de liderança a nível mundial. As suas exportações aumentaram 21 por cento entre os dois quinquénios e a sua quota no comércio mundial de armas cresceu de 35 para 43 por cento.

Agora, Berlim quer seguir um novo rumo, de acordo com o lema "Buy European".

Defesa "made in USA": do sistema Patriot ao "kill switch"

De acordo com o especialista e autor norte-americano Josef Braml, esta mudança não deve ser vista como um erro de confusão entre causa e efeito.

"A causa foi o facto de Trump ter deixado claro que já não se pode confiar na América", explica Braml em entrevista à Euronews. Agora que isso se tornou claro, "já não faz sentido pagar tributo por uma proteção que já não temos".

Segundo Braml, este "tributo" foi pago através da compra de armas americanas que tornaram a Alemanha e outros países europeus dependentes dos sistemas americanos.

Entre eles está o sistema de defesa "Patriot", do qual a Alemanha ainda possui seis. Este sistema é considerado um dos mais modernos e poderosos sistemas de defesa aérea do mundo. De acordo com o The Atlantic, o governo dos EUA suspendeu temporariamente a exportação destes sistemas, uma vez que o Pentágono os considera escassos e pretende reservá-los principalmente para seu próprio uso.

ARQUIVO - Nesta foto de arquivo de 8 de novembro de 2017, soldados alemães disparam o sistema de armas Patriot na instalação de lançamento de mísseis da NATO em Chania, Grécia
Nesta fotografia de arquivo de 8 de novembro de 2017, soldados alemães disparam o sistema de armas Patriot nas instalações de lançamento de mísseis da NATO em Chania, Grécia Sebastian Apel/U.S. Department of Defense, via AP

No entanto, ainda não existe uma solução europeia para alguns sistemas de armas. É o caso, por exemplo, do avião de combate F-35.

Christophe Gomart, antigo chefe dos serviços secretos militares franceses e atual eurodeputado do Partido Popular Europeu, apresentou este ano a teoria do chamado "kill switch", em que os EUA instalam um sistema de bloqueio nos jactos que pode ser ativado se o plano de voo não for aprovado pelo Pentágono.

No entanto, a existência do "kill switch" não pôde ser confirmada, uma vez que "não há forma de simplesmente desligar o F-35 à distância", disse um porta-voz do Ministério da Defesa ao jornal Tagesschau.

Um avião Lockheed Martin F-35 Lightning II da Força Aérea Italiana em Schoenefeld, em 20 de junho de 2022
Um avião Lockheed Martin F-35 Lightning II da Força Aérea Italiana em 20 de junho de 2022 em Schönefeld AP Photo/Michael Sohn

O Governo alemão mantém assim a sua encomenda de jactos para as tropas. "No entanto, o F-35 é um avião de combate de quinta geração que ainda não existe na Europa. Graças à sua tecnologia furtiva, é quase impossível de reconhecer. Se as tropas nos fazem tais exigências, só podemos comprar aos EUA", disse à Euronews uma porta-voz do Gabinete Federal de Equipamento, Tecnologia de Informação e Apoio ao Serviço da Bundeswehr (BAAINBw).

"Soberania também significa que podemos proteger-nos"

Pieter Wezeman, investigador do Instituto de Investigação para a Paz de Estocolmo (Sipri) e coautor do estudo sobre os últimos dados relativos às importações de armas europeias provenientes dos EUA, sublinha, no entanto, que a Europa já está a tomar medidas de combate: "Os Estados da NATO na Europa tomaram medidas para reduzir a sua dependência das importações e reforçar as suas próprias indústrias de armamento. Mas a relação transatlântica no sector da defesa tem raízes profundas".

O Plano Marshall e a NATO lançaram as bases das relações económicas e de segurança entre a Alemanha e os EUA após a Segunda Guerra Mundial. Desde que Donald Trump assumiu o poder, o governo alemão tem-se esforçado por manter as relações bilaterais. No entanto, o rumo alemão está a contrariar as expectativas do Presidente dos EUA.

Trump iniciou o seu segundo mandato com a promessa de "America First". Esta série de medidas políticas tem como objetivo tomar decisões de política externa e interna que dêem prioridade aos interesses dos EUA sobre os de todas as outras nações.

Ainda em fevereiro, Trump apelou aos parceiros da NATO para que aumentassem as suas despesas com a defesa para 5% e adquirissem armas americanas. No seu orçamento, o chamado "One Big Beautiful Bill"(OBBB), Trump reservou cerca de 150 mil milhões de dólares americanos em financiamento obrigatório para o Departamento de Defesa dos EUA, como parte da sua agenda "Paz através da Força".

De acordo com Braml, os EUA podem confiar na sua própria indústria de defesa, especialmente quando se trata de peças sobresselentes ou de software para sistemas individuais. "A soberania também significa que nos podemos proteger", disse Braml à Euronews. Se não for esse o caso, Braml considera que estamos a tornar-nos vulneráveis à chantagem.

Durante a sua primeira visita oficial à Casa Branca, Merz admitiu que "quer queiramos quer não, vamos continuar a depender dos Estados Unidos da América durante muito tempo".

Presidente Donald Trump durante uma reunião com o chanceler alemão Friedrich Merz na Sala Oval, 5 de junho de 2025
O Presidente Donald Trump durante uma reunião com o Chanceler alemão Friedrich Merz na Sala Oval, 5 de junho de 2025 AP Photo/Evan Vucci

"A segurança acabou, a Pax Americana morreu"

"Vivemos numa nova era, numa ordem mundial multipolar e se não conseguirmos estabelecer a Europa como um polo independente, então perdemos neste mundo em que os fortes fazem o que podem e os fracos sofrem", diz o especialista norte-americano e autor de "A Ilusão Transatlântica".

Mas, em última análise, um olhar sobre as estatísticas de patentes mostra que, em matéria de tecnologia de defesa, Washington continua a marcar o ritmo na Europa.

De acordo com um estudo do Instituto Económico Alemão (IW), as empresas americanas registaram quase 18 mil patentes entre 2015 e 2021, enquanto os 27 Estados da UE registaram menos de 12 mil patentes. Com cerca de 4300 pedidos de patentes, a Alemanha ocupa o segundo lugar na UE, a seguir à França, mas está fortemente dependente das empresas americanas em geral.

Para Braml, continuar como antes não é uma opção: "A segurança foi-se, a Pax Americana morreu". Durante décadas, a Alemanha colocou a sua defesa nas mãos dos EUA.

Agora, o país tem de assumir a responsabilidade pela sua própria segurança no mais curto espaço de tempo possível.