80º aniversário do primeiro bombardeamento nuclear da história: "Relógio do Juízo Final" aproxima-se do zero

80 anos depois da primeira utilização de armas nucleares na Segunda Guerra Mundial, peritos e sobreviventes alertaram para o facto de o mundo estar mais próximo do que nunca de voltar a utilizar estas armas, num contexto de crescentes tensões internacionais e de erosão dos acordos de desarmamento.
Na quarta-feira de manhã, vários dignitários e os poucos sobreviventes reuniram-se no Parque Memorial da Paz de Hiroshima para recordar o momento em que um bombardeiro americano B-29 lançou a bomba nuclear "Little Boy" sobre a cidade, a 6 de agosto de 1945. Três dias depois, uma bomba de plutónio destruiu a cidade de Nagasaki. Os ataques causaram a morte imediata de mais de 110 000 pessoas, tendo centenas de milhares de outras morrido mais tarde devido a ferimentos ou doenças provocadas pela radiação.
Embora estes continuem a ser os únicos casos de utilização de armas nucleares em guerras, o risco de tal voltar a acontecer continua a aumentar.
"As divisões no seio da comunidade internacional relativamente ao desarmamento nuclear estão a aprofundar-se e o ambiente de segurança global está a tornar-se cada vez mais perigoso", afirmou o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, no seu discurso na cerimónia de comemoração.
"Enfrentamos uma ameaça nuclear sem precedentes e o maior desafio agora é influenciar, nem que seja um pouco, as atitudes dos Estados com armas nucleares, que estão a ignorar os nossos apelos", declarou o Nihon Hidankyo, um movimento popular japonês de sobreviventes de bombardeamentos nucleares que recebeu o Prémio Nobel da Paz no ano passado.
Estes avisos surgem num clima de escalada acentuada da retórica nuclear, sobretudo entre Moscovo e Washington, com a guerra na Ucrânia como pano de fundo.
Nos últimos meses, os EUA bombardearam instalações nucleares iranianas com bombas convencionais de grande potência, numa tentativa de travar o programa nuclear de Teerão.
No início deste ano, a fronteira entre a Índia e o Paquistão foi palco de tensões militares devido à disputa em curso sobre Caxemira, tendo a comunidade internacional agido de forma urgente para evitar uma escalada entre as duas potências nucleares.
Corrida ao armamento
Em junho, Hans Christensen, investigador sénior do Instituto Internacional de Investigação da Paz de Estocolmo (SIPRI), afirmou: "Estamos a assistir a uma clara tendência para a expansão dos arsenais nucleares, para a escalada da retórica nuclear e para o desmantelamento dos acordos que costumavam regular esta área".
Esta tendência de crescimento levou o Boletim dos Cientistas Atómicos - uma organização científica independente fundada em 1945 por cientistas envolvidos no desenvolvimento da bomba atómica, que avalia as ameaças existenciais para a humanidade, como as armas nucleares, as alterações climáticas e as tecnologias disruptivas - a adiantar os ponteiros do Relógio do Juízo Final para a meia-noite, colocando-o a apenas 89 segundos da catástrofe total, a distância mais curta desde a criação do relógio, em 1947.
Embora o relógio esteja apenas um segundo mais adiantado do que em 2024, a publicação sublinha que esta pequena alteração não deve tranquilizar ninguém: "O mundo já está perigosamente perto do abismo e qualquer atraso na mudança de rumo aumenta a probabilidade de uma catástrofe global".
O relatório anual do Boletim confirmou que a ameaça nuclear continua a ser o principal risco, referindo que os Estados com armas nucleares "estão a aumentar a dimensão e as capacidades dos seus arsenais e a investir centenas de milhares de milhões de dólares no desenvolvimento de sistemas capazes de destruir a civilização".
Um arsenal nuclear em expansão
Segundo o SIPRI, a bomba de 15 quilotoneladas de Hiroshima é relativamente pequena em comparação com as armas nucleares modernas. A maior bomba do arsenal dos Estados Unidos tem uma potência de 1,2 megatoneladas, 80 vezes superior à de Hiroshima. Os peritos alertam para o facto de que uma única bomba nuclear moderna, se lançada sobre uma grande cidade, pode matar milhões de pessoas num instante.
O arsenal nuclear mundial é estimado em mais de 12.000 ogivas nucleares distribuídas por nove países: Estados Unidos, Rússia, China, França, Reino Unido, Índia, Paquistão, Coreia do Norte e Israel, segundo o último relatório do Instituto de Estocolmo.
O relatório refere que, em 2024, todos estes países prosseguiram os programas de modernização e expansão das suas armas nucleares, atualizando os sistemas mais antigos e acrescentando versões mais avançadas.
Os Estados Unidos e a Rússia estão na vanguarda, com um total de 90% das ogivas nucleares do mundo, mas outros países como a China, a Índia e o Reino Unido estão também na via da expansão. De acordo com o instituto, a China adicionou cerca de 100 novas ogivas nucleares num único ano, com expectativas de que este crescimento continue.
A Coreia do Norte, por outro lado, tem demonstrado um firme empenhamento na sua arma nuclear. Kim Yo Jong, a irmã mais influente do líder Kim Jong Un, afirmou no mês passado que o seu país "não abdicará do seu arsenal em troca de quaisquer conversações com Washington ou Seul", acrescentando: "Qualquer tentativa de negar o estatuto da RPDC como Estado nuclear será completamente rejeitada".
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