Trump quer destruir stock de contracetivos destinados a mais de 1 milhão de mulheres em África

Mais de 1,4 milhões de mulheres e raparigas em África correm o risco de perder o acesso a cuidados que salvam vidas se uma reserva de contracetivo, detidos pelos Estados Unidos e atualmente armazenados na Europa, for destruída de acordo com os planos do governo americano, segundo a ONG International Planned Parenthood Federation (IPPF).
Os contracetivos, avaliados em 10 milhões de dólares (8,5 milhões de euros), estão atualmente num armazém na Bélgica, mas poderão ser destruídos na sequência do encerramento da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), conforme noticiado.
Os planos para a sua incineração em França, em conformidade com os planos do governo dos EUA, suscitaram a condenação generalizada das organizações da sociedade civil e dos políticos, que apelam à preservação dos fornecimentos.
A IPPF tentou comprar o stock ao governo dos EUA, mas a sua oferta foi rejeitada.
Oposição política na Europa
Durante um briefing no final de julho, o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Thomas Pigott, disse que os funcionários "ainda estão a determinar o caminho a seguir" no que diz respeito às reservas belgas.
Os políticos do Partido Verde francês apelaram ao Presidente Emmanuel Macron para que intervenha, uma vez que os fornecimentos serão transferidos para França para serem destruídos.
"Não podemos permitir que a agenda anti-escolha de Donald Trump se desenrole no nosso território. Não podemos permitir que a agenda anti-escolha de Donald Trump se desenvolva no nosso território e, por isso, hoje, a França deve mediar com a Comissão", disse à Euronews a eurodeputada Mélissa Camara (França/Os Verdes), uma das signatárias da carta.
"Infelizmente, não existe uma base jurídica que permita a intervenção de uma autoridade sanitária europeia, e muito menos da autoridade nacional francesa para a segurança dos medicamentos, para recuperar estes produtos médicos", declarou o Ministério da Saúde francês à AFP.
"Uma vez que os contracetivos não são medicamentos de grande interesse terapêutico e, neste caso, não estamos perante uma escassez de abastecimento, não temos meios para requisitar as existências", acrescentou.
O ministério disse ainda não ter informações sobre o local onde os contracetivos serão destruídos.
Impacto em África
Aproximadamente 77% do stock, muitos com datas de validade entre 2027 e 2029, destinavam-se a ser utilizados em países africanos, incluindo a República Democrática do Congo (RDC), o Mali, o Quénia, a Tanzânia e a Zâmbia. Os produtos seriam distribuídos pela USAID, atualmente desmantelada.
"Estamos a enfrentar um grande desafio. O impacto dos cortes de financiamento da USAID já afetou significativamente a prestação de serviços de saúde sexual e reprodutiva na Tanzânia - levando a uma escassez de produtos contracetivos, especialmente implantes", disse Bakari, coordenador de projeto da UMATI, a Associação Membro da IPPF na Tanzânia.
A Tanzânia iria receber mais de um milhão de contracetivos injetáveis e 365 mil implantes da reserva de Bruxelas, o que representa mais de 40% do total da remessa.
Estes fornecimentos representam mais de metade do apoio anual da USAID ao sistema de saúde da Tanzânia e 28% das necessidades anuais totais do país.
"No Quénia, os efeitos das interrupções do financiamento dos EUA já se fazem sentir: o congelamento do financiamento provocou ruturas de stock de contracetivos, deixando as instalações com menos de cinco meses de fornecimento, em vez dos 15 meses exigidos", afirmou Nelly Munyasia, diretora executiva da Rede de Saúde Reprodutiva do Quénia, também membro da IPPF.**
Acrescentou ainda que a retirada da USAID criou um défice de financiamento de 46% no programa nacional de planeamento familiar do Quénia.
Os EUA são, há muito tempo, o maior doador bilateral para o planeamento familiar, contribuindo com 600 milhões de dólares por ano, o que representa 40% do financiamento global dos doadores.
A anulação dos contratos de aquisição pendentes aumentou o défice de financiamento global existente de 167 milhões de dólares para 210 milhões de dólares em 32 países, de acordo com a Reproductive Health Supplies Coalition (RHSC), uma parceria global de organizações públicas, privadas e não governamentais.
A coligação também alertou para os efeitos mais vastos da queima deste stock. O grupo afirmou que, quando a primeira escolha de contracetivo de uma mulher está em falta, ela pode optar por um produto menos preferido, o que pode levar a uma rutura de stock desse produto se a procura aumentar inesperadamente.
"Quando os stocks de planeamento familiar estão comprometidos, toda a cadeia de abastecimento está em risco, exigindo novos financiamentos, tempo e coordenação que não podem ser materializados a curto prazo", afirmaram.
O RHSC estimou que a não entrega deste stock aos destinatários pretendidos podia resultar em 362 mil gravidezes indesejadas, 161 mil nascimentos não planeados e 110 mil abortos inseguros.
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