Comércio mundial sofreu quebra, com Europa a ser afetada pelos tarifas dos EUA e novo choque na China
Em 2025, o primeiro choque veio de Washington. Mas não foi o único.
A maior economia do mundo virou-se abruptamente para dentro, lançando uma agenda comercial nacionalista e impondo tarifas aos seus parceiros em todo o mundo.
Os fluxos comerciais foram forçados a redirecionar-se - muitos deles para a Europa. Ao mesmo tempo, com a escalada das tensões entre os Estados Unidos e a China, Pequim aproveitou-se da dependência global das terras raras, essenciais para o setor tecnológico europeu.
Na altura, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, alertou para os efeitos de um "segundo choque chinês", referindo-se ao aumento dramático das exportações chinesas e à sobreprodução industrial que poderia inundar o mercado europeu, pondo em risco os fabricantes nacionais.
Comprometida com o seu mantra baseado em regras, a UE viu-se com pouca margem de manobra para enfrentar uma nova ordem comercial global que se está a afastar da cooperação global e das regras internacionais, apesar dos seus esforços para diversificar os laços comerciais e os instrumentos de contramedida.
Com a continuação da guerra na Ucrânia, a Europa aprendeu da maneira mais difícil sobre as suas vulnerabilidades, uma vez que a sua dependência dos EUA para a segurança comprometeu o comércio do bloco.
Com o regresso de Donald Trump ao poder, a Casa Branca lançou a sua ofensiva comercial mais agressiva do século, expondo a UE a tarifas mais elevadas, ao mesmo tempo que a China aumentava a pressão restringindo as exportações de minerais essenciais necessários para fabricar tudo, desde aviões a máquinas de lavar roupa.
Na corda bamba, a UE procurou na América Latina, no Médio Oriente e em África novos mercados de exportação - não sem complicações.
A Euronews explora os momentos que marcaram o ano na frente comercial - e a forma como a União Europeia reagiu a um aperto histórico entre as duas superpotências mundiais.
O "Dia da Libertação" de 2 de abril mudou tudo
Após décadas de "globalização feliz" liderada pelos EUA, Trump revelou uma nova barragem tarifária a 2 de abril, a partir do Jardim das Rosas, na Casa Branca, em Washington. O Dia da Libertação chocou os mercados financeiros com as tarifas mais abrangentes num século e abalou os aliados.
A UE foi alvo de uma taxa de 20% como resposta a um défice comercial de 300 mil milhões de dólares, ao qual Bruxelas contrapôs com os seus próprios números: uma relação globalmente equilibrada entre os dois países, igualada por um excedente de 157 mil milhões de euros em bens e um défice de 109 mil milhões de euros em serviços.
Longe de um défice de 300 mil milhões de dólares alegado pelos EUA, quando se tem em conta bens e serviços, esse valor torna-se muito menor, cerca de 50 mil milhões de euros.
As tarifas americanas sobre o aço e o alumínio também aumentaram para 25%, e depois para 50% em junho, numa altura em que Washington procurava relocalizar a indústria e contrariar o crescente excesso de capacidade da China. A União Europeia tornou-se, assim, um dano colateral na competição entre Washington e Pequim.
À medida que os EUA aumentavam as barreiras, os governos de todo o mundo apressavam-se a renegociar o acesso ao mercado. As discussões entre a UE e os EUA foram tensas, erráticas e dominadas por ameaças. Trump impôs direitos aduaneiros punitivos sobre tudo, desde filmes europeus a vinhos e bebidas espirituosas, ameaçando por vezes com taxas de 200%.
Entre abril e julho, o Comissário Europeu para o Comércio, Maroš Šefčovič, deslocou-se a Washington 10 vezes. As conversações envolveram o secretário do Comércio dos EUA, Howard Lutnick, e o representante do Comércio, Jamieson Greer - mas o verdadeiro poder estava nas mãos de Trump e do conselheiro Peter Navarro.
Washington também visou o que chamou de "barreiras não tarifárias" da Europa, nomeadamente a Lei dos Mercados Digitais (DMA) e a Lei dos Serviços Digitais (DSA) da UE, que se tornaram um ponto de tensão política entre os dois e só aumentaram desde então.
Bruxelas insistiu que a regulamentação era um direito soberano, enquanto preparava listas de retaliação que abrangiam até 72 mil milhões de euros de produtos americanos - que foram suspensas para manter as conversações vivas. Von der Leyen chegou mesmo a falar em greve dos serviços norte-americanos.
Entre os Estados-Membros, alguns, liderados por França, levantaram a opção de retalho utilizando o Instrumento Anti-Coerção adotado em 2023, que permite à UE atingir serviços, direitos de propriedade e licenças para combater a coerção económica proveniente de países estrangeiros.
Nada disso se concretizou, com a indústria europeia a temer mais danos.
"Os EUA têm o domínio da escalada", disse um diplomata da UE à Euronews na altura.
Um acordo desequilibrado em detrimento da Europa e uma vitória para os EUA
A dependência da Europa dos mercados norte-americanos - e do apoio militar de Washington à Ucrânia - acabou por ditar o resultado. Em 27 de julho, von der Leyen e Trump fecharam um acordo num campo de golfe em Turnberry, na Escócia.
Uma declaração conjunta, publicada a 21 de agosto, selou o acordo: zero direitos aduaneiros da UE sobre a maioria dos bens industriais dos EUA, enquanto os EUA triplicaram os direitos aduaneiros para 15% sobre as exportações da UE, bem como compromissos de 600 mil milhões de dólares em investimentos da UE nos EUA até 2028 e 750 mil milhões de dólares em compras de energia.
Bruxelas vendeu este acordo como o melhor resultado possível.
Por toda a Europa, os críticos consideraram-no desequilibrado e até humilhante.
A poderosa diretora-geral da Comissão Europeia para o comércio, a alemã Sabine Weyand, reconheceu os constrangimentos e sugeriu mesmo que não se tratava de uma negociação, uma vez que os EUA tinham a vantagem.
"O acordo comercial criou uma base para o compromisso entre a UE e os EUA relativamente a muitas outras questões", afirmou. "Teremos de ver até onde isso nos vai levar, mas pelo menos temos outra base de compromisso com a administração que não existia antes", disse Weyand.
A eurodeputada avisou ainda que a Europa está a "pagar o preço do facto de termos ignorado o alerta que recebemos durante a primeira administração Trump e termos voltado a dormir. E espero que não seja isso que estamos a fazer agora", referindo-se à dependência da UE do guarda-chuva de segurança dos EUA.
Bruxelas está atualmente a tentar obter mais isenções para reduzir as tarifas sobre mais produtos e aliviar as tarifas sobre o aço e o alumínio, que continuam a ser de 50%.
Regras digitais como arma comercial para Washington
Washington exigiu que a Europa reduza os seus próprios direitos aduaneiros sobre os produtos industriais, o que requer legislação prevista para 2026. Os EUA exigem também que Bruxelas flexibilize a aplicação das regras digitais antes de reduzir os direitos aduaneiros sobre o aço e o alumínio.
A UE insiste que as regras digitais estão fora dos limites. Mas a pressão sobre o bloco está a aumentar.
Embora a maioria das administrações americanas se tenha queixado frequentemente do que consideram ser um conjunto de regras que visam as grandes empresas tecnológicas americanas, uma vez que a UE procura regular onde não pode competir, a Casa Branca de Trump é muito mais agressiva no tom e na substância.
Os EUA anunciaram recentemente que vão proibir a entrada de cinco pessoas no país, incluindo o antigo Comissário Europeu Thierry Breton, acusando-o de pressionar as plataformas de redes sociais a censurar e monitorizar conteúdos. A UE nega que censure as mensagens.
A Comissão Europeia afirmou que defenderá a sua soberania quando se trata de definir políticas e que tomará - se necessário - "medidas rápidas e decisivas" para as aplicar. O Presidente francês Emmanuel Macron foi mais longe, sugerindo que os EUA estão a utilizar as regras digitais para coagir e intimidar a UE.
Longe de ter terminado, a guerra comercial entre os dois países parece estar a deslocar-se para o espaço digital, um tema fundamental para o novo ano.
A UE não tem qualquer influência sobre a China
Apesar do caos tarifário, o comércio mundial cresceu em 2025.
As importações globais de bens aumentaram 6,35%, enquanto as exportações subiram 6,24%, de acordo com o St Gallen Endowment for Prosperity Through Trade (SGEPT), na Suíça, um rastreador independente de políticas comerciais.
Entretanto, a China atingiu um marco sem precedentes, registando um excedente comercial de 1 bilião de dólares.
Bloqueadas nos EUA, as exportações chinesas inundaram a Europa. Entre novembro de 2024 e novembro de 2025, as mercadorias chinesas para a UE aumentaram quase 15%. Em alguns Estados-Membros, como a Itália, esse valor ultrapassou os 25%, o que significa que um quarto de todas as importações veio da China.
Os dados da OCDE também revelaram que a sobrecapacidade de produção de aço era de 600 milhões de toneladas em 2024.
Como resultado, o desequilíbrio está a tornar-se mais preciso.
Von der Leyen alertou para os efeitos negativos de um "segundo choque chinês", em referência ao primeiro choque chinês, produzido entre 1999 e 2007, que levou à externalização de empregos na indústria transformadora e a um aumento das exportações chinesas.
Um segundo choque chinês poderia ser ainda mais difícil de digerir, uma vez que o mercado da UE já está a ser alvo de um afluxo de produtos chineses, que também estão a tornar-se mais avançados.
O Presidente francês avisou também que os atuais desequilíbrios não podem continuar, recordando a Pequim que a UE dispõe de uma série de instrumentos, "desde direitos aduaneiros a medidas anti-coerção", que pode utilizar se a China se recusar a cooperar, num artigo de opinião publicado no Financial Times no início deste mês.
Ainda assim, a UE tem tido dificuldade em reagir.
As tarifas aplicadas aos veículos elétricos chineses em 2024 saíram pela culatra. Pequim retaliou em 2025 com direitos até 42,7% sobre a carne de porco e os lacticínios, sinalizando que não vai aliviar a pressão.
"As tarifas da UE sobre os veículos elétricos são muito pequenas em comparação com a valorização do euro", disse à Euronews Alicia Garcia Herrero, especialista em China e economista-chefe para a Ásia-Pacífico na Natixis. "Além disso, a UE não está a conseguir os investimentos que pretendia".
A diplomacia também vacilou. Em julho, a cimeira UE-China, muito falada, não deu grandes resultados.
E depois veio o golpe.
Com a intensificação das tarifas globais, a China começou a restringir as exportações globais de terras raras, pondo em risco os setores automóvel, tecnológico e de defesa da Europa. Só depois de Trump se ter encontrado com Xi Jinping na Coreia do Sul, a 30 de outubro, é que Pequim aliviou os controlos, deixando a diplomacia da UE completamente de lado.
As restrições intensificaram-se depois de as autoridades holandesas terem tomado o controlo do fabricante de chips Nexperia, desencadeando um braço de ferro entre as autoridades europeias e Pequim. Para salvar a face, os Países Baixos devolveram o controlo da Nexperia aos seus proprietários chineses e a China concordou em aliviar algumas restrições. Mas o episódio mostrou os limites da política da UE.
"A UE não tem qualquer influência sobre a China, não tem nada para usar como arma", afirmou Herrero.
Equilibrar a relação continua a ser uma das principais prioridades da Comissão em 2026, mas a possibilidade de reunir o consenso político para aplicar ferramentas sem precedentes, como o instrumento anti-coerção, continua a ser um ponto de interrogação, uma vez que a UE se encontra espremida entre a China e os EUA, enfrentando retaliações de ambos.
Ainda assim, com o maior mercado único do mundo e mais de 400 milhões de consumidores, a UE tem cartas para jogar.
O comércio baseado em regras está por um fio
Em 2025, a Europa perdeu a confiança nas regras globais, mas Bruxelas não desistiu do seu papel de campeã mundial do comércio internacional, ao mesmo tempo que tenta reduzir as suas dependências.
Bruxelas duplicou os direitos aduaneiros sobre o aço proveniente de países estrangeiros e lançou uma nova doutrina de segurança económica para reduzir os riscos comerciais.
O comissário Šefčovič disse à Euronews que uma das lições aprendidas este ano é que tudo "pode ser transformado em arma" numa nova ordem mundial em que o comércio também é utilizado como instrumento para forçar a política.
"É uma lição que sublinha as lições que aprendemos nos últimos anos e que não diz respeito apenas à China. Hoje em dia, tudo pode ser transformado em arma", disse Šefčovič. "Para a Europa, começou com o gás (russo), depois continuou com matérias-primas essenciais e chips de alta e baixa qualidade. Tudo isto pode ser transformado numa arma".
Em consequência, a UE redobrou os esforços para diversificar também os laços comerciais. Fechou acordos com o México, a Indonésia, Singapura e reavivou as conversações com a Índia, apesar de não ter conseguido assinar um acordo antes de 2025, como esperava.
A UE também teve dificuldades em selar o acordo do Mercosul após 25 anos de negociações com a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai. Itália e França adiaram a assinatura para 2026, enquanto uma votação sobre as salvaguardas destinadas a proteger os agricultores da UE que temem a concorrência desleal dos países latino-americanos foi também adiada para 2026.
Para os críticos, a UE não conseguiu compreender o significado geopolítico do Mercosul. Numa altura em que o comércio mundial está a ser alvo de ataques, um acordo desta envergadura teria mostrado ao mundo que as relações multilaterais continuam a ter valor estratégico e a trazer benefícios.
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