Sporstwashing em DC: Ronaldo junta-se a Trump e MBS em visita marcada por interesses geopolíticos
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, recebeu na terça-feira na Casa Branca o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman. O astro do futebol português Cristiano Ronaldo, atualmente ao serviço dos sauditas do Al-Nassr, também foi recebido em Washington DC pelo líder norte-americano, fazendo correr muita tinta pela imprensa portuguesa, mas também internacional.
O jogador participou num jantar oferecido por Donald Trump, tornando-se dessa forma no terceiro desportista português a realizar uma visita oficial à Casa Branca. CR7 sentou-se na mesma mesa que o presidente dos EUA, Melania Trump, Elon Musk e Tim Cook.
A presença de Cristiano Ronaldo mereceu apontamento no discurso de Donald Trump, que confessou que o filho é fã do jogador. "O meu filho respeita-me um pouco mais agora que passei a noite com Cristiano Ronaldo", ironizou o presidente norte-americano.
A visita marca o regresso de Mohammed bin Salman aos EUA após o assassinato do jornalista de Washington Post Jamal Khashoggi, opositor do regime saudita, caso que fez tremer as relações diplomáticas entre os dois países.
Um relatório dos serviços secretos norte-americanos apontou que o príncipe herdeiro saudita deu o aval ao plano que desencadeou o assassínio de Khashoggi no consulado saudita em Istambul, na Turquia, em 2018.
Donald Trump tem vindo a aproximar-se durante este segundo mandato de Mohammed bin Salman e do regime saudita — aliás, a primeira viagem internacional do presidente norte-americano foi para a Arábia Saudita, em maio, numa tentativa de estreitar os laços económicos entre os dois países.
O príncipe herdeiro, que foi isolado do Ocidente após o assassinato de Khashoggi, também tem tentado afirmar-se como uma potência global. Além disso, o líder saudita tem procurado garantir o investimento norte-americano em setores como mineração, tecnologia e turismo, para diversificar a economia do país, demasiado dependente do petróleo.
Outra investida de bin Salman nesse sentido tem sido o sportswashing, uma prática que tem em vista a utilização do desporto para melhorar a reputação, geralmente para desviar a atenção da opinião pública de problemas como violações de direitos humanos, corrupção ou outras condutas imorais.
É neste contexto que surge a presença de Cristiano Ronaldo durante a visita do príncipe herdeiro da Arábia Saudita na Casa Branca, como sugerem especialistas em Relações Internacionais contactados pela Euronews.
"Ronaldo já foi o melhor futebolista do mundo, mas hoje em dia é o futebolista mais mediático do mundo. E a Arábia Saudita neste momento transformou Ronaldo no futebolista mais bem pago no mundo. Paga-lhe 200 milhões de euros por ano justamente para ele fazer isto, que é ser um embaixador da Arábia Saudita", diz Francisco Pereira Coutinho, especialista em Direito Internacional Público e Direito Constitucional Europeu.
Para o professor catedrático da Universidade NOVA School of Law, o internacional português surge aqui como "uma espécie de troféu que Mohamed Bin Salman leva até a Casa Branca, especialmente porque Ronaldo declarou-se, por todos os efeitos, como um Trumpista".
"Isto é o sportswashing no seu melhor. Um Estado que tinha problemas reputacionais, —assassinar jornalistas, teocrático, muito fechado, onde se oprime as mulheres, por exemplo —, está, neste momento, numa tentativa de se vender como um destino turístico", reitera Pereira Coutinho.
Joana Ricarte, investigadora no Centro de Estudos Interdisciplinares (CEIS20) da Universidade de Coimbra, também concorda que a presença de Ronaldo não pode ser lida nunca como uma mera coincidência.
"Estas agendas não são construídas a bel prazer de um jogador de futebol e, portanto, toda essa junção de agendas tem que ter significado político, necessariamente. Não há aqui qualquer outra leitura", frisa.
Para a especialista em Relações Internacionais esta é uma jogada de soft power dos sauditas: "O que a Arábia Saudita está a dizer quando aparece acompanhada do melhor jogador do mundo, é mesmo isso, é que tem tudo o que é melhor do mundo. O que também é uma mensagem para Donald Trump".
Quanto a Ronaldo, a investigadora também vê da parte do jogador um interesse. "Quando numa entrevista a Piers Morgan, fez manifestações políticas de crítica à guerra cultural identitária e a tudo o que faz parte da agenda MAGA, define aqui um alinhamento político muito claro, de apoio ao governo, às políticas, ideologia, e a tudo o que representa Donald Trump", considera.
A visita de Cristiano Ronaldo à Casa Branca surge poucos dias após o jogador ter elogiado Trump e expressado que gostaria de se encontrar com o presidente norte-americano.
"Ele é uma das pessoas mais importantes, é uma das pessoas que quero conhecer. Desejo fazê-lo um dia, se tiver a oportunidade, [...] para me sentar com ele, é uma das pessoas de que gosto mesmo porque acho que ele consegue fazer as coisas acontecer e eu gosto de pessoas assim", afirmou o jogador, na entrevista concedida ao jornalista britânico Piers Morgan.
Além disso, a presença do desportista marca ainda uma das suas primeiras visitas conhecidas aos Estados Unidos, desde 2016. Durante este período decorreu o polémico escândalo sexual a envolver o jogador e Kathryn Mayorga que em 2018 voltou a acusar CR7, desta vez num processo civil, de agressão sexual num caso que remonta a 2009.
Qual o interesse dos EUA?
O anúncio da venda dos caças F-35 aos sauditas, que pode alterar o equilíbrio militar no Médio Oriente, gerou temores dentro da própria administração Trump de que o reforço do poderio militar da Arábia Saudita poderia desestabilizar Israel, o grande aliado dos Estados Unidos no Médio Oriente.
"Este é um passo muito importante no contexto do conflito no Médio Oriente. Estamos a falar de questões muito importantes para as relações internacionais deste momento, esta aproximação à Arábia Saudita, o que isso vai significar no equilíbrio no Médio Oriente", refere Francisco Pereira Coutinho.
Já Joana Ricarte sublinha que a venda dos F-35 "será um negócio muito vantajoso para os Estados Unidos".
"É um equipamento militar de ponta, mas que já é considerado, por muitos, potencialmente defasado, por conta dos drones e das guerras híbridas, mas que, ainda assim, é uma tecnologia de ponta, muito cara", detalha, ressalvando, por outro lado, que a lei norte-americana protege Israel de qualquer tipo de perda de supremacia militar e tecnológica na região.
A Arábia Saudita e Israel ensaiavam uma aproximação, mediada pelos EUA, antes da guerra na Faixa de Gaza, mas as conversas foram interrompidas devido ao conflito. O regime saudita afirma que só voltará a considerar a normalização das relações com Israel após a criação de um Estado Palestiniano.
Além deste contexto geopolítico, Francisco Pereira Coutinho também admite que haja uma estratégia do presidente norte-americano para abafar alguns assuntos a nível doméstico e redirecionar as atenções da opinião pública.
"Trump tem esta estratégia que é ocupar o espaço mediático com assuntos que lhe interessam. E temos visto uma obsessão contínua em falar sobre assuntos internacionais e tentar falar cada vez menos sobre assuntos domésticos. É verdade que resolveu agora o shutdown, mas continua a ser massacrado com a questão do Epstein. É uma estratégia de comunicação bastante natural e ele é o mestre da comunicação", considera o professor da NOVA School of Law.
Today