Von der Leyen anuncia "empréstimo de reparações" à Ucrânia e sanções a ministros israelitas

"A Europa está numa luta", alertou Ursula von der Leyen na abertura do discurso do Estado da União no Parlamento Europeu, em Estrasburgo. Uma luta que a líder do executivo comunitário disse ser pela liberdade, independência e futuro do velho continente.
Lembrando que "o mundo de hoje é impiedoso" e que "as linhas de batalha para uma nova ordem mundial baseada no poder estão a ser traçadas neste momento", Ursula von der Leyen sublinhou a importância de os 27 priorizarem a própria defesa e segurança.
"Não podemos simplesmente esperar que esta tempestade passe", enfatizou. Se a Europa não mostrar alguma força, acrescentou, arrisca-se a tornar-se irrelevante no cenário global.
"A Europa tem de lutar. Pelo seu lugar num mundo em que muitas grandes potências são ambivalentes ou abertamente hostis à Europa. Um mundo de ambições imperiais e guerras imperiais. Um mundo em que as dependências são impiedosamente utilizadas como armas. E é por todas estas razões que uma nova Europa tem de emergir", notou, sem esquecer a necessidade de acabar com "as divisões internas".
No hemiciclo estava Sasha, uma criança ucraniana raptada pela Rússia que acabou por ser devolvida à sua família graças aos esforços internacionais e dos próprios familiares. A história arrancou um aplauso de pé das bancadas e foi o mote para vários anúncios sobre a resposta da Europa ao conflito na Ucrânia.
A presidente da Comissão afirmou que a União Europeia (UE) vai acolher uma cimeira da Coligação Internacional para o Regresso das Crianças Ucranianas. "Todas as crianças raptadas devem ser devolvidas", declarou. "A liberdade da Ucrânia é a liberdade da Europa", salientou. O objetivo desta conferência é fazer pressão para pôr fim aos casos de rapto de menores, pelos quais o Tribunal Penal Internacional emitiu um mandado de detenção contra o presidente russo Vladimir Putin.
Ursula von der Leyen aproveitou o aguardado discurso anual em Estrasburgo para se solidarizar com a Polónia pela invasão do espaço aéreo polaco por drones russos.
"A mensagem de Putin é clara. E a nossa resposta também deve ser clara", disse von der Leyen.
"Precisamos de exercer mais pressão sobre a Rússia para que se sente à mesa das negociações. Precisamos de mais sanções. Estamos agora a trabalhar no 19.º pacote, em coordenação com os nossos parceiros", adiantou. "Estamos particularmente empenhados em eliminar mais rapidamente os combustíveis fósseis russos. Estamos a analisar a frota paralela e os países terceiros", acrescentou.
Este 19.º pacote está agora previsto para o final da semana, sendo que as negociações reais entre os governos da UE só terão início depois disso.
Ursula von der Leyen afirmou que "ninguém contribuiu mais do que a Europa" para a defesa da Ucrânia e recordou os 170 mil milhões de euros de ajuda financeira enviados por Bruxelas a Kiev. Ainda assim, fez questão de dizer que "esta é uma guerra da Rússia" e que a Europa quer pôr Moscovo a pagá-la.
"Empréstimo de Reparações"
Ursula von der Leyen propôs um «Empréstimo de Reparações» para continuar a financiar os esforços de guerra da Ucrânia.
O plano passa por usar os "saldos de caixa" associados a quase 200 mil milhões de euros de ativos russos congelados na Europa, sem tocar nos próprios ativos. O dinheiro poderá ser usado pela Ucrânia no imediato, mas von der Leyen ressalvou que Kiev só devolverá o empréstimo quando a Rússia pagar as reparações pós-guerra. Uma proposta que tem gerado controvérsia pelos riscos financeiros e jurídicos, designadamente na Bélgica, onde se encontra a maioria dos ativos russos.
A Comissão Europeia lançará também um novo programa chamado Qualitative Military Edge (Vantagem Militar Qualitativa). A ideia é «apoiar o investimento nas capacidades das forças armadas ucranianas», frisou von der Leyen, que anunciou ainda que o bloco europeu vai celebrar uma Aliança de Drones com a Ucrânia, uma iniciativa financiada por um empréstimo de 6 mil milhões de euros do Extraordinary Revenue Acceleration (ERA), liderado pelo G-7.
"A Ucrânia tem a criatividade. O que precisa é de escala. E, juntos, podemos fornecê-la: para que a Ucrânia mantenha a sua vantagem e a Europa fortaleça a sua", afirmou.
A presidente da Comissão Europeia referiu que foi o uso de drones que permitiu à Ucrânia eliminar " dois terços" do equipamento russo.
Sanções a ministros israelitas e suspensão parcial de acordo com Israel
A guerra em Gaza era um dos tópicos obrigatórios do discurso e Usrula von der Leyen não poupou nas palavras nem nos anúncios.
"O que está a acontecer em Gaza abalou a consciência do mundo. A fome provocada pelo homem nunca pode ser uma arma de guerra, isto tem de acabar. É simplesmente inaceitável", disse von der Leyen, que propôs uma suspensão parcial do Acordo de Associação UE-Israel, com foco na dimensão comercial. Trata-se de uma medida que alguns Estados-Membros exigem há algum tempo, mas a que a Comissão Europeia tinha resistido até agora.
"Estou ciente de que será difícil obter maiorias. E sei que qualquer ação será excessiva para alguns. Insuficiente para outros. Mas todos devemos assumir as nossas responsabilidades – Parlamento, Conselho e Comissão", disse, ressalvando que o financiamento para o museu do Holocausto Yad Vashem e para a sociedade civil israelita não seria afetado.
Outra das propostas que a Comissão apresentará ao Conselho inclui sanções aos "ministros extremistas" de Israel e aos "colonos violentos", algo que mereceu os aplausos da maioria da câmara.
Além disso, a Comissão criará um Grupo de Doadores para a Palestina no próximo mês, o que contempla um instrumento para a reconstrução de Gaza. A única perspetiva de longo prazo para a paz é uma solução de dois Estados, insistiu von der Leyen.
"Barreira de drones" e vigilância espacial em tempo real
Ursula von der Leyen defendeu que a Europa deve ter as suas próprias capacidades estratégicas independentes para poder proteger-se eficazmente.
"Devemos investir na vigilância espacial em tempo real para que nenhum movimento de forças passe despercebido. Devemos atender ao apelo dos nossos amigos bálticos e construir uma barreira de drones. Esta não é uma ambição abstrata. É a base de uma defesa credível", afirmou.
A Comissão apresentará um «roteiro claro» para «lançar novos projetos comuns de defesa» antes da próxima cimeira formal do Conselho Europeu, marcada para o final de outubro. A líder do executivo comunitário quer definir "objetivos claros para 2030" e criar «um semestre europeu da defesa", ainda que não tenha avançado com detalhes sobre esta iniciativa.
"Melhor acordo possível" com os EUA
Ursula von der Leyen abordou as tarifas comerciais impostas pelos Estados Unidos à União Europeia e garantiu que as empresas do bloco dos 27 estão em "vantagem" face aos concorrentes de outras latitudes.
"Os nossos concorrentes enfrentam tarifas norte-americanas mais elevadas", frisou.
"Quando se leva em conta as exceções que garantimos e as taxas adicionais que outros têm, temos o melhor acordo, sem dúvida alguma", acrescentou, apesar das fortes críticas de algumas associações europeias ao acordo que fechou com Donald Trump.
A líder da Comissão Europeu destacou a estabilidade como um fator "crucial".
"A nossa relação comercial com os Estados Unidos é a mais importante".
Ursula von der Leyen não deixou, porém, de enviar recados a Trump, assegurando que não fará concessões no que diz respeito à regulamentação na tecnologia, contestada pelo presidente norte-americano.
"Quero ser muito clara num ponto: quer se trate de regulamentação ambiental ou digital, nós estabelecemos as nossas próprias normas. Nós estabelecemos os nossos próprios regulamentos", afirmou. "A Europa decidirá sempre por si própria".
Today