Legisladores europeus pedem fim do apoio da UE a todas as forças de segurança líbias

Trinta e oito legisladores do Parlamento Europeu, pertencentes a quatro grupos políticos, escreveram uma carta à Comissão Europeia instando-a a pôr fim ao financiamento de todas as forças de segurança líbias.
Os eurodeputados pediram à Comissão Europeia que condenasse o que consideraram ser as ações violentas da Guarda Costeira líbia contra navios humanitários no Mediterrâneo e que "suspendesse imediatamente todas as formas de apoio - financeiro, técnico ou operacional - à LCG, à DCIM (Direção de Combate à Migração Ilegal) e a qualquer outra entidade líbia".
Após o derrube do ditador Muammar Kadhafi e o fim da guerra civil em 2020, a Líbia continua politicamente dividida, com duas entidades a controlar diferentes partes do país.
O Governo de Unidade Nacional (GNU), reconhecido internacionalmente, está sediado em Trípoli e é liderado pelo primeiro-ministro Abdul Hamid Dbeibah. O GNU controla a parte ocidental do país.
No leste e a sul, o controlo é exercido principalmente pelas Forças Armadas Árabes da Líbia (LAAF), sob o comando militar do general Khalifa Haftar, e por uma administração rival conhecida como Câmara dos Representantes.
De acordo com um porta-voz da Comissão Europeia, o diálogo da semana passada entre a UE e ambas as partes na Líbia foi "aberto e construtivo".
Tanto os representantes do Governo de Unidade Nacional como os de Haftar abordaram os recentes incidentes e concordaram que "o respeito pelos direitos humanos deve estar sempre em primeiro lugar em qualquer cooperação", referiu o porta-voz.
A situação no mar indica, no entanto, uma escalada da violência nos confrontos entre as diferentes fações no poder na Líbia atualmente, de acordo com o grupo de eurodeputados que redigiu a carta.
Nos últimos anos, diferentes unidades armadas líbias têm efetuado múltiplos ataques documentados contra barcos de migrantes, navios de salvamento e barcos de pesca em águas internacionais.
Em agosto, a tripulação da embarcação da ONG Ocean Viking esteve debaixo de fogo cerrado, durante minutos, de um barco da Guarda Costeira líbia financiado pela UE, sob o controlo do governo de Trípoli.
Umrelatório recente da ONG Sea-Watch descreve em pormenor60 incidentes marítimos violentos provocados pela Guarda Costeira líbia e por outros atores líbios.
Tal motivou crescentes preocupações por parte do Parlamento sobre o papel da UE no financiamento das forças líbias, que deveriam combater o tráfico de seres humanos e respeitar os direitos humanos dos migrantes.
"Esta cooperação contínua constitui uma utilização abusiva flagrante dos fundos da UE, é contrária ao acervo europeu e, além disso, põe em perigo o frágil processo de paz líbio, aumenta a instabilidade na fronteira marítima da UE e mina a credibilidade da UE como ator de política externa", escreveram os eurodeputados, que pertencem aos grupos Socialistas e Democratas (S&D), Renovar a Europa (Renew Europe), Verdes/Aliança Livre Europeia e A Esquerda, numa carta a que a Euronews teve acesso.
Desde 2017, a Comissão tem vindo a prestar apoio material, técnico e de formação às autoridades líbias através de vários programas da UE. O principal é o Fundo Fiduciário de Emergência para África (EUTF for Africa), que disponibiliza um total de 465 milhões de euros até 2021.
A assistência ao país continuou ao abrigo de outro programa - o instrumento NDICI-Global Europe - para o período 2021-2027, com uma dotação total de 65 milhões de EUR, centrada na proteção e na gestão das fronteiras. No entanto, não é claro quanto deste dinheiro é efetivamente canalizado para a Guarda Costeira líbia.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou um montante adicional de 675 milhões de euros para os países do Norte de África, numa carta enviada aos chefes de Estado da UE antes da cimeira europeia de quinta-feira.
Fundos com problemas
A maioria destes fundos foi considerada controversa por organizações da sociedade civil e por algumas instituições da própria UE.
Em setembro de 2024, o Tribunal de Contas Europeu publicou um relatório sobre a forma como o montante do Fundo Fiduciário de Emergência foi gasto, marcando a primeira vez que uma instituição da UE afirmou que o bloco de 27 membros não está a abordar adequadamente os riscos para os direitos humanos.
Os outros fundos ao abrigo do chamado regulamento NDICI excluem especificamente do financiamento quaisquer atividades que "possam resultar em violações dos direitos humanos nos países parceiros". Mas o dinheiro continua a fluir apesar dos abusos documentados contra os migrantes.
Uma missão de inquérito independente das Nações Unidas à Líbia, realizada em março de 2023, concluiu que algumas autoridades líbias apoiadas pela UE estavam envolvidas em graves violações dos direitos humanos, incluindo tráfico de seres humanos, trabalho forçado, fome, violência sexual e tortura.
A Comissão também foiconsiderada culpada de má administração pelo Provedor de Justiça da UE por se ter recusado a divulgar as avaliações dos seus projetos na Líbia.
Outros pedidos contidos na carta dos eurodeputados incluem o estabelecimento de uma missão de busca e salvamento coordenada pela UE no Mediterrâneo central, pressionando o governo italiano a suspender o seu Memorando de Entendimento de 2017 com a Líbia, e o apelo à Comissão para que não se envolva com entidades não reconhecidas, como as forças sob o controlo de Haftar, o que de facto aconteceu nos últimos meses.
Um apelo semelhante da sociedade civil europeia para que deixasse de financiar a Guarda Costeira da Líbia foi recentemente rejeitado pela Comissão.
A Euronews contactou a Comissão Europeia para confirmar se a carta tinha sido recebida, tendo recebido uma resposta, mas sem uma confirmação até à data de publicação desta notícia.
Na sua própria carta aos 27 Estados-membros da UE, von der Leyen reafirmou o compromisso da UE em colaborar com a Líbia e outros países do Norte de África para impedir as partidas da costa sul do Mediterrâneo.
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