Como a fotografia de uma criança esquelética gerou polémica sobre a fome em Gaza

A fotografia de uma criança de Gaza, magra e a vestir um saco do lixo, causou uma enorme controvérsia, quer pelo que mostra sobre o desastre humanitário em Gaza como pela verdadeira natureza do estado do menino.
O New York Times publicou a imagem chocante de Mohammed Zakaria al-Mutawaq primeira página com o título "Jovens, velhos e doentes morrem à fome em Gaza: não há nada".
Outros meios de comunicação social de renome, como a BBC, a CNN e o The Guardian, não tardaram a republicar a fotografia, suscitando condenação mundial do bloqueio imposto por Israel à entrada de alimentos e medicamentos em Gaza.
No entanto, jornalistas independentes e organizações noticiosas começaram rapidamente a noticiar que tinham visto documentos médicos que revelavam que Mohammed tinha uma doença grave que afetava a sua saúde, que alguns identificaram como paralisia cerebral.
O jornalista de investigação freelancer David Collier disse no X que a fotografia de Mohammad era a de uma "criança medicamente vulnerável cuja situação trágica foi desviada e transformada numa arma". O jornalista referiu ainda que, numa outra fotografia, o irmão de Mohammad pode ser visto em condições aparentemente muito melhores.
Mais tarde, o New York Times esclareceu que Mohammed tinha sido diagnosticado com um problema de saúde pré-existente. Informação que obteve depois de consultar o hospital.
"Desde então, obtivemos novas informações, incluindo do hospital que o tratou e dos registos médicos, e atualizámos o nosso artigo para acrescentar o contexto dos problemas de saúde pré-existentes (da criança)", disse um porta-voz do jornal. "Este pormenor adicional dá aos leitores uma melhor compreensão da sua situação".
Muitos outros meios de comunicação que utilizaram a fotografia não emitiram qualquer retratação ou nota de esclarecimento. Esta questão, entre outras, levou a que os media fossem acusados de criar uma narrativa sobre a fome em Gaza.
A fotografia foi tirada pelo fotógrafo freelance Ahmeed al-Arini, que estava a trabalhar para a agência noticiosa turca Anadolu. Foi depois enviada para a agência de notícias Getty Images.
Gaza está a morrer de fome
No entanto, independentemente da doença de Mohammed e da natureza da fotografia, é verdade que as pessoas estão a morrer à fome em Gaza, tal como foi repetidamente noticiado por media respeitáveis e por organizações de ajuda humanitária.
A mãe do rapaz, Hedaya al-Muta, falou aos meios de comunicação social para confirmar o historial médico do filho, mas também falou da falta de acesso a medicamentos e alimentos. Acrescentou que o peso de Mohammed diminuiu muito.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que a subnutrição em Gaza atingiu "níveis alarmantes".
De acordo com a OMS, registaram-se pelo menos 74 mortes relacionadas com a subnutrição em 2025. Deste total, 63 ocorreram em julho, incluindo 24 crianças com menos de cinco anos, uma criança com mais de cinco anos e 38 adultos.
"A maioria destas pessoas foi declarada morta à chegada às instalações de saúde ou morreu pouco tempo depois, com os corpos a mostrar sinais claros de definhamento grave", afirmou a organização. "A crise continua a ser totalmente evitável. O bloqueio e o atraso deliberados da ajuda alimentar, sanitária e humanitária em grande escala custaram muitas vidas".
As Nações Unidas, seguindo a Classificação de Fases de Segurança Alimentar, afirmaram mesmo que "o pior cenário de fome está atualmente a acontecer na Faixa de Gaza" e que a falta de ação imediata vai resultar em "morte generalizada".
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reconheceu a existência de uma "verdadeira fome" em Gaza, apesar de o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, ter afirmado que não é o caso.
Israel tem negado sistematicamente que haja fome em Gaza, com a unidade de Coordenação das Atividades Governamentais nos Territórios (COGAT), do Ministério da Defesa, que coordena a ajuda humanitária em Gaza, a acusar o Hamas de deturpar fotografias de crianças alegadamente famintas para atribuir culpas.
A conta X da COGAT publicou vários exemplos do que diz serem fotografias utilizadas pelo Hamas para passar a narrativa da fome, bem como fotografias da ajuda e dos abastecimentos que diz estarem a decorrer.
Desde então, Israel autorizou lançamentos aéreos e corredores humanitários, mas os trabalhadores humanitários dizem que, até à data, pouco fizeram para aliviar a crise.
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